O pecado da omissão
Jorge Linhaça
Na sociedade moderna, onde cada qual a ensinado a olhar apenas para o próprio umbigo e isolar-se na sua própria ilha da fantasia, não são os grandes pecados, ( aqueles que ganham destaque na imprensa) como o roubo, o assassinato, o tráfico, etc que me assustam. Um outro pecado, grealmente esquecido, até nas pregações religiosas, é que permite que todos os demais se multipliquem em proprorção geométrica na sociedade.
O pior é que todos nós, em maior ou menor escala somos culpados de cometê-lo.
É o pecado da omissão.
Todos ( ou quase todos) ficamos chocados quando um crime hediondo como o caso Isabela ganha destaque e transforma-se em um espetáculo para o público, televisionado quase que em tempo real. A mídia penhorada agradece a nossa audiência sistemática nesses casos, brindando-nos com novas coberturas de casos semelhantes.
Centenas, às vezes milhares de pessoas comparecem à porta dos foruns quando está para ser julgado algum caso hediondo, e isso, claro que não é exclusividade tupiniquim.
Nos Estados Unidos é até pior...vendem-se camisetas, botons e qualquer tipo de "lembrancinha" que traga uma frase ou foto alusivas ao evento.
O que devemos questionar, no entanto, não é se os réus são culpados ou não, se merecem a pena máxima ou se as provas são suficientes, etc. Para isso existe o jurí...
O que devemos questionar , na verdade, é o que leva o sentimento de comoção a extrapolar as fronteiras físicas e sociais nesses casos.
Quando dizemos que a sociedade anda cada vez mais violenta, que o uso das bebidas alcoólicas , das drogas, da permissividade social e a corrupção são os culpados por grande parte dos problemas socias da atualidade, talvez seja também a hora de fazermos um "mea culpa" em relação a isso.
- Mas como assim Linhaça? Eu não bebo, não uso drogas, nãoroubo, não mato...não tenho nada com isso!
Será mesmo? Será que exatamente essa frase final..." não tenho nada com isso" não é o que permite que o quadro de nossa sociedade vá ganhando cada vez mais tons negros e vermelhos?
Quando, por medo, por sentimento de impotência, por pressa ou por desalento , ou por acreditarmos que o problema é do governo,da escola, da polícia, etc ,fechamos nossos olhos ao que se passa ao nosso redor, criamos condições favoráveis para que se multipliquem os problemas sociais que nos afligem e revoltam.
Ontem assisti no CQC ( Custe o Que Custar) um quadro bastante interessante sobre o ser cidadão ( ou não ser ). Atores contratados faziam as vezes de um casal em conflito em plena praça pública e outros atores o papel de pai e e filho, com o pai agredindo o garoto e ainda em outro quadro um garoto agredia verbal e fisicamente à mãe.
Todos os quadros se passavam em locais públicos, mais ou menos no estilo das "pegadinhas" ,com a diferença de que não havia nada de engraçado.
O resultado não foi nenhuma surpresa, embora não deixe de ser um inquietante retrato dos dias de hoje.
As pessoas passavam pelos atores sem dar a mínima importância ao desenrolar do acontecimentos, como se aquilo ocorre-se em um mundo paralelo.
Com exceção de uma brava senhora que interveio na cena da agressão do namorado à namorada, a reação das pessoas era olhar de longe como se assistissem a uma peça teatral, rindo e comentando o que viam mas sem tomar atitude alguma.
No caso de pai x filho um policial aproximou-se de forma displicente apenas para perguntar se tudo estava bem apesar do pai girtar como filho e agredi-lo com um jornal.
A resposta do "pai" foi, tá tudo bem, é que esse garoto é folgado...
O policial deu-se por satisfeito e foi embora.
Mais tarde voltou, obviamente pressionado por reclamações de populares que foram reclamar da cena e limitou-se a dizer...
Pegue seu filho e leve pra casa, vocês ficam discutindo aqui e o povo vai lá encher meu saco...aqui vocês não podem mais ficar...
Pois bem, vejamos o que tudo isso tem a ver com o caso Isabela, por exemplo...
Creio que é bem difícil de alguém acreditar que a mesma tenha sofrido a primeira agressão dentro do apartamento da qual foi arremessada. Provavelmente alguém presenciou a agressão inicial à menina, tenha sido no shopping ou no carro. Mas, por não ser " da sua conta" deixou de intervir...o resultado todos conhecemos...
Quantos casos semelhantes não acontecem diariamente à nossa volta e nos parecem coisas corriqueiras e sem consequências até que a taça transborda e viram notícia de jornal?
Para quem acha que este é um caso extremo e que estou "forçando as tintas" , vamos para casos mais simples...café pequeno talvez...Qual é nossa reação ao vermos bares e outros estabelecimentos venderem bebidas alcóolicas para menores?
Quantos pais não levam seus filhos para tomar um cerveja seja em casa ou nos bares?
Quantos não se dão conta de que esse "inocente ato" pode ter consequências devastadoras mais adiante?
Quantos jovens não voltam para casa embriagados ao fim de cada balada, dirigindo seus carros ? Quantos não perdem a vida nesse trajeto? Quantos não ceifam outras vidas?
Quantas brigas ocorrem por causa da bebiba?
Nossa sociedade tem se tornado premissiva por demais, por culpa de nós mesmos,
por causa de desejarmos ser modernos, acharmos natural que nossos filhos e filhas saiam para baladas com cada vez menos idade, que 'fiquem' com várias pessoas numa mesma noite. Nos consolamos com os conselhos que damos...olha, não esquece a camisinha...não vá arranjar confusão...leva o celular pra eu saber onde você está...
O fato é que, geração após geração, abrimos mão de nossos filhos, deixando-os à própria sorte. Queremos nossa liberdade e , para usufruirmos dela, damos "graças a Deus" quando nossos filhos saem para a balada.Chega a ser um alívio.
Quando a coisa fica feia, hipocritamente nos perguntamos " Onde foi que eu errei?"
ou lançamos as culpas nas leis vingentes, brandas demais , como se coubesse ao estado zelar pelos nossos filhos deixando-nos livres para fazer o que quisermos.
Como podemos repudiar um comportamento inadequado de nossos filhos se nos sentamos com eles, hipnotizados, assistindo as novelas que pregam a promiscuidade das relações, a degradação dos valores ?
Sei que muitos, neste momento estão a um clique de deletar esta mensagem, afinal, segundo sua visão as novelas apenas retratam a realidade...mentira. As novelas amplificam a realidade e tornam a exceção em regra. Um exemplo simples embora passe despercebido é a questão da desagregação familiar. Se é verdade que já existiam casais separados antes da teledramaturgia abordar esse tema , criando personagens divorciados ou que se divorciam no correr da trama e que ,ao fim da novela encontram o "verdadeiro" amor, também é verdade que a repetição das tramas do casa-separa, criaram na população uma pré disposição a relacionamentos efêmeros baseados no..." se não der certo a gente separa e acha outro".
Como na vida real nem sempre o final é um conto de fadas, não é de se estranhar que um número cada vez maior de filhos cresça sem a presença do pai ou da mãe.
Também não é de se estranhar que hoje em dia troque-se de parceiros ou conjuges como se troca de roupa...
Que impacto isso tem na formação das crianças e adolescentes?
Vamos criando geração cada vez menos comprometidas como núcleo familiar, cada vez com menos freios...cada vez mais "auto-suficientes" e "donas de sue próprio nariz" sem no entanto terem maturidade para tal.
Aprendemos a nos omitir nas pequenas coisas, depois nas coisas médias e hoje somos uma geração de omissos felizes em, apenas e tão somente, seguir a correnteza do rio sem saber onde o mesmo vai desembocar.
No entanto quando a correteza se torna forte e ameça nos levar à destruição gritamos apavorados e apontamos culpados, "esquecendo" que nós mesmos nos atiramos no rio que parecia calmo quilômetros atrás.
De omissão em omissão vamos juntando o nosso quinhão...
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SP, 06 de abril de 2010