"Dobrei a carta e deixei que as lágrimas se tocassem no sorriso da razão de todas aquelas letras que me foram dirigidas de forma fria e dissecada. Corri o cortinado da sala, liguei o rádio baixinho e pus-me a decidir a minha vida. Sabia que tinha muito caminho íngreme pela frente, sabia que o Eduardo não me iria facilitar a vida, se é que alguma vez o fizera. Após duas horas de solidão apetecida, de memórias acutilantes e de forças encontradas no silêncio que fiz de mim, continuei a caminhada. Foram dois anos de exaustão, de muita luta, cenas lamentáveis, de idas e vindas com a esperança pendurada num arame acrobático onde ia perdendo o equilíbrio mas ganhando a coragem, até então, desconhecida.
Foi num dia qualquer do mês de Abril do século passado, que ganhei o meu processo de divórcio, em tribunal. Aquela, quase, liberdade merecida, após tantas pedras encontradas pelo caminho. Com elas ia construindo um castelo (Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo – Pessoa) onde erguia muralhas para esconder velhas desilusões e libertar uma nova expressão de vida. No entanto, o Eduardo teimou em não sair de casa após o divórcio. A minha vida estava a mudar, mas ainda faltava superar a presença intolerável de alguém que tinha destruído todos os meus sonhos pequeninos e adultos.
Farejavas o perdão
Como um cão faminto
Que lhe doem os olhos
Da procura de cantos
Andavas pequeno
Numa estrada longa e parada
E os pés desmentiam
O propósito de andar
Viste-me ao longe
Como num sonho apertado
Em que o grito sufoca
E o correr desespera
As tuas mãos uniram-se
Num gesto vertical
Diante do meu olhar
Fixo e parado
Longe de ti
No espaço que me separava de mim
O perdão nunca foi achado.
Às vezes, precisamos de ir à guerra para encontrarmos a nossa paz."
Manuela Fonseca