Todo aquele que ajuda o país a andar para a frente, tem uma educação do tamanho do céu, tira ao rico para dar ao pobre, é, na concepção dos anjos, um filho da mãe.
O filho da mãe é um ser respeitado, compra e paga logo, não come a gordura do bife, poupa os pensos para quando houver ferida, nas compras não pede uma rebaixa.
É um ser elegante, jamais cospe no chão, tem amigos espalhados pelos 4 continentes, faz jogging depois do expediente,
benze-se quando passa por um cemitério, não tira lascas do nariz,
só coça nos coisos quando ninguém está por perto.
O bom filho da mãe não é adepto de nenhum clube de futebol,
não fala alto, não resmunga,
não bate com a moeda no balcão para chamar o garçon,
não acredita na lotaria,
só bebe cerveja pelo copo, nunca pela garrafa; nem tão-pouco passa horas a jogar cartas, usa o traje sempre bem combinado, aos sábados de manhã aspira o carro, depois vai ver o mar, não dá boleias a desconhecidos,
sacode os sapatos quando entra em casa de alguém, tem sempre um ar barbeado,
os ombros a direito,
a pestana bem tratada, o sorriso Pepsodent.
Para se ser um bom filho da mãe tem que se ter bom sotaque, deixar gorjeta à menina da pastelaria, não pecar por vaidade, não ter mancha no colarinho muito menos caspa nos ombros,
ter um diploma na mão,
saber dez minutos sobre a história de Portugal, como vai a bolsa de valores,
ter um citroên e pensar em trocar por um Mercedes.
O filho da mãe sabe lá o sabor da erva, chegar às cinco da manhã todo marado e ouvir da mulher, desconhece a sensação de lhe cortarem a luz lá de casa, do bom que é todo o ano comer batatas com arroz, ficar preso no elevador, de meter a mão ao bolso e nada.
Não ganha cáries nos dentes,
tira férias duas vezes ao ano, sabe um pouco de plantas e basta-lhe,
não fuma, não coloca os cotovelos em cima da mesa, não tosse no prato, nunca diz o que tem. Há bons filhos da mãe que fugiram à tropa por terem medo de armas, pois o filho da mãe é sensível, chora quando vê os outros a chorar,
dá esmola ao santo,
evita sal na comida,
toma café com a asa do lado esquerdo, conhece estradas secundárias para escapar ao trânsito, faz sexo moderadamente, duas vezes por semana, tem cartão de dador de sangue, tem preferência por cães de raça, nunca deixa uma porta aberta,
não vai em bruxarias,
joga xadrez por computador,
toma banho logo pela manhã,
usa desodorizante, nunca faz greve no trabalho, é pontual, paga café aos amigos, não sabe abrir cápsula de garrafa com uma colher, é barra em palavras cruzadas,
sopa de letras também,
separa o lixo doméstico, põe a mão no cabelo para que o vento não o despenteie, escreve artigos em jornal, é contra os casacos de pele, contra o animais no circo.
O bom filho da mãe tem um pai que é rico e que lhe põe o popó à porta de casa assim que faz dezoito anos, antes de saber o que é o amor já tem anel de noivado, onde vai ser a lua-de-mel, em que chalé vai morar,
quantos empregados vai ter, quantos vai mandar embora,
paga as obras da igreja,
percebe de finanças, faz trinta por uma linha, prefere a prosa à poesia, seus filhos gastam um balúrdio em explicações, e outros em desintoxicações. Filho da mãe que se preze tem um portátil sempre à mão,
não frequenta espaços de fumadores ou mictórios públicos,
não diz nem que sim nem não, tem amigos que lhe custa uma fortuna,
sabe o hino nacional em la la la,
ou é do porto ou do Benfica ou do Sporting, é admirador da música cowntry, guarda todos os bilhetes dos concertos a que já assistiu, não retira o plástico do visor do telemóvel, guarda bem guardado o papel da garantia e, nas campanhas de solidariedade, faz sempre uma chamada.
Filho da mãe que é filho da mãe é a alegria nacional, ganhou pelo menos uma medalha na vida, faz colecção de qualquer coisa, discute política, não trai a mulher, ou se trai é porque ela já o fez, não pede emprestado, não fala com a boca cheia, não chega nunca atrasado aos encontros,
não deseja mal a ninguém,
acompanha as modas tecnológicas,
desconhece o prazer de uma ressaca, o que é mijar contra um edifício público,
sempre dá uma moeda ao arrumador de carros,
não deixa que o lixo penetre nas unhas, vai à balança da farmácia pelo menos de quinze em quinze dias, não masca chiclete em público,
não tira partido por partido nenhum, acredita em deus como acredita no diabo, sabe pelo menos duas línguas,
sabe quem foi Alexandre Herculano, sabe encetar uma videira, distingue a olho nu o grilo macho do grilo fêmea. Enfim, o filho da mãe é uma pessoa que merece ser falada, por ser de luta, para que nunca se esqueça que, por detrás de um bom filho da mãe, está sempre um grande filho da nação.
Resumindo: Por amor de alguém, somos todos uns bons filhos da mãe. E mais não digo.