Poemas : 

HOMENAGEM A HUMBERTO DE CAMPOS

 

O Irapuru


Dizem que o irapuru, quando desata
A voz - Orfeu do seringal tranqüilo -
O passaredo, rápido, a segui-lo,
Em derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, veloz, muda em cascata,
Tudo se queda, comovido, a ouvi-lo:
O canoro sabiá susta a sonata,
O canário sutil cessa o pipilo.

Eu próprio sei quanto esse canto é suave;
O que, porém, me faz cismar bem fundo
Não é, por si, o alto poder dessa ave:

O que mais no fenômeno me espanta,
É ainda existir um pássaro no mundo
Que se fique a escutar quando outro canta!

Humberto de Campos


1


“Que se fique a escutar quando outro canta”
Assim num ato nobre e tão gentil,
Pudesse renovar-se o que partiu
Gerando sobre a sorte, rara manta.
Aos píncaros eleva-se tal sonho
E nele se permite um novo templo,
Além do que em verdade já contemplo,
Usando da emoção, assim proponho.
Versando sobre a glória de quem sabe
E vive a poesia com alento,
Por vezes, solitário me atormento,
No quanto uma ilusão, tola, desabe.
Assim quando te leio, caro amigo,
O que há dentro de mim; sentir. Consigo...

2


“É ainda existir um pássaro no mundo”
Que possa traduzir em raro canto,
O quanto a vida gerando encanto
E dele com certeza já me inundo,
Canora fantasia traça o todo,
E deixa para trás o sofrimento,
No quanto ao percebê-lo, enfim me alento,
Diverso do que eu vivo; imenso lodo,
Saber ser mais plausível do que quando
Negara ao meu caminho a boa sorte,
Ouvindo o passarinho que conforte
Meu mundo noutra senda se tomando,
Percebo quão real a divindade,
No som que mavioso; tudo invade.


3


“O que mais no fenômeno me espanta,”
Da vida refazendo da vida
Na eternidade assim já percebida,
Mutável caminhar em força tanta.
Alenta-me pensar na primavera
Após a primavera do passado,
O sonho noutro sonho recriado,
É mais do que talvez uma alma espera,
Pretensas emoções, dias sombrios,
Mortalha do viver em tais granizos,
Mas quando se percebem paraísos,
Reato da paixão, diversos fios.
E tento após a chuva e o temporal,
Momento mais feliz, no meu final.


4


“Não é, por si, o alto poder dessa ave”
Levando aos mais diversos sonhos que
Ainda se transborda quando vê
O encanto que jamais nada inda trave,
Assim ao perceber quão soberano
O canto diluído pelos ares,
É como se pudesse nos altares
Viver além do medo e desengano,
Singrando os mais sobejos mares belos
Rasgando os céus em naves fabulosas,
Sorvendo este perfume, raras rosas,
Tomando a consciência de castelos
Traçados pelas notas musicais
Além do que pensara. Magistrais!

5


“O que, porém, me faz cismar bem fundo”
Além de um tão perfeito caminhar,
Vencendo esta distância a se mostrar
Nas ânsias mais sutis das quais me inundo,
Bebendo em tal fartura, esta beleza
Realça-se deveras cada sonho,
E quando ao mais sobejo me proponho,
Percebo quão divina esta grandeza.
Escassas luzes tive no passado,
E agora ao perceber tanta fartura,
Já não concebo a vida tão escura,
Caminho com bravura desvendado,
Proclamo em voz suave o quanto quero
De um mundo mais audaz, porém sincero.

6


“Eu próprio sei quanto esse canto é suave;”
E dele me entranhando maravilhas,
Aonde com certeza sei que brilhas
Felicidade além de simples nave.
O gesto ritual de uma amizade
Permite que se veja claramente
Beleza sem igual, nada desmente,
E nela com certeza uma alma brade
Além do quanto pude conceber,
Numa ânsia maviosa em luzes feita,
Assim a soberana e mais perfeita
De tantas fantasias posso ver,
Sabendo da existência deste canto,
E dele desfrutando todo encanto.

7

“O canário sutil cessa o pipilo”
Ouvindo o bardo em canto incomparável,
Assim sorvendo além do imaginável,
Suprema maravilha em ti destilo,
E crendo ser possível magnitude
Suprema no teu canto sedutor,
Vencido pelas ânsias de um amor,
Permito que meu rumo se transmude
E sinto ser feliz quem ouve enfim
A magistral canção que agora entoas,
Gerando maravilhas nestas loas
A florescência toma o meu jardim,
E a lua emoldurando este cenário,
Acompanhando o encanto do canário.

8


“O canoro sabiá susta a sonata,”
Tocado por tamanha sedução
Beleza se aflorando desde então
Tomando num momento toda a mata,
Soberana e sobeja fantasia
Tocando o coração de cada ser,
Transcende à própria essência do prazer
E nela toda a sorte se porfia,
Deidade se percebe a cada canto,
Enternecida voz se entorna e toma,
Enquanto a fria fera já se doma,
Sorvendo cada gota deste encanto,
E toda a Natureza embevecida
Aplaude a divindade feita em vida.

9


“Tudo se queda, comovido, a ouvi-lo”
Amigo quando entoas cada verso
Tomando em luzes fartas o universo,
O próprio sol de ti, mero pupilo.
Ainda se percebe no teu canto
O quanto Deus se fez além do todo,
Por mais que a vida trace algum engodo,
Em ti de farta luz, eu me agiganto,
Pudesse eternizar cada segundo
Sentindo a raridade feita em som,
Sabendo quão raríssimo tal dom,
Tocando em plenitude todo o mundo,
Magnânimo cantor, vate sobejo,
Contigo um novo tempo em paz prevejo.

10


“Quando o canto, veloz, muda em cascata,”
O templo se refaz como se fosse
Além de um tempo claro, manso e doce,
A sorte do passado se desata
E gera este futuro em glórias tantas
E bebo cada gota da esperança
Na qual minha alma agora já se lança
Enquanto em perfeição sublime cantas.
Pudesse ter somente este momento
E nada mais bastando para mim,
Ao florescer divino este jardim,
De toda a tempestade me apascento,
Abençoada voz tomando conta
Para uma eternidade em luz aponta.

11

“Em derredor agrupa-se na mata”
Fartando-se do brilho desta lua,
Catuliana imagem rara e nua,
Divina fantasia desbarata,
E quando eu a percebo em rara luz,
Teu canto em magnitude plena traça
Sobeja maravilha aonde escassa
Outrora e agora alquímica produz
A soberana glória do existir,
Toando uma viola sertaneja,
Além do que talvez ainda veja,
Pressinto a divindade no porvir,
Traçada pelas notas sob o brilho
Da deusa em cujo rastro, prata, trilho...

12


“O passaredo, rápido, a segui-lo,”
Qual fossem mil falenas vendo a luz,
Fantástica emoção que me conduz
Tocado pelo belo deste estilo,
E vendo a fonte rara deste encanto,
Traçando cada passo rumo a um Deus
Matando os velhos dias quando ateus,
Não pude perceber divino canto,
E tento redimir os meus enganos,
Mudando num momento minha sorte
E tendo em tal beleza novo Norte,
Já não concebo mais antigos planos
E sinto ser perpétua esta expressão
Tornando o que eu vivera outrora vão.

13


“A voz - Orfeu do seringal tranqüilo –“
De um bardo que ora entoa esta cantiga
Permite quanta paz onde prossiga
Vencendo qualquer dor que inda destilo,
Servindo ao mais perfeito sedutor,
Minha alma se demonstra embevecida,
E vendo para os medos a saída
Percebo a magnitude de um amor,
A flórea senda expressa esta certeza
E dela se gerando etérea luz,
À sideral beleza me conduz,
Levado pela imensa correnteza.
Traçando com meu verso mais singelo
Usando da emoção, sutil rastelo.


14


“Dizem que o irapuru, quando desata”
Seu canto sob a lua magistral
Domina com certeza todo o astral,
E invade com ternura a imensa mata,
Assim também ouvindo a tua voz,
Percebo a maravilha deste encanto,
E bebo a fantasia e me agiganto
Atando com os deuses firmes nós.
Vencendo os meus temores, eternizo
A sorte de poder estar contigo,
Singrando este oceano que persigo,
Deixando no passado algum granizo,
E quando me mostrando inteiro a nu,
Concebo-te qual fora um irapuru...


De Praia para o mundo lusófono

VALMAR LOUMANN
 
Autor
VALMARLOUMANN
 
Texto
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1876
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