Poemas : 

HOMENAGEM A CHARLES BAUDELAIRE

 


Charles Baudelaire

Sob a auréola, porém, de um anjo vigilante,
Inebria-se ao sol o infante deserdado,
E em tudo o que ele come ou bebe a cada instante
Há um gosto de ambrosia e néctar encarnado.

Às nuvens ele fala, aos ventos desafia
E a via-sacra entre canções percorre em festa;
O Espírito que o segue em sua romaria
Chora ao vê-lo feliz como ave da floresta.

Os que ele quer amar o observam com receio,
Ou então, por desprezo à sua estranha paz,
Buscam quem saiba acometê-lo em pleno seio,
E empenham-se em sangrar a fera que ele traz.

Ao pão e ao vinho que lhe servem de repasto
Eis que misturam cinza e pútridos bagaços;
Hipócritas, dizem-lhe o tato ser nefasto,
E se arrependem por lhe haver cruzado os passos.

Sua mulher nas praças perambula aos gritos:
“Pois se tão bela sou que ele deseja amar-me,
Farei tal qual os ídolos dos velhos ritos,
E assim, como eles, quero inteira redourar-me;

E aqui, de joelhos, me embebedarei de incenso,
De nardo e mirra, de iguarias e licores,
Para saber se desse amante tão intenso
Posso usurpar sorrindo os cândidos louvores.

E ao fatigar-me dessas ímpias fantasias,
Sobre ele pousarei a tíbia e férrea mão;
E minhas unhas, como as garras das Harpias,
Hão de abrir um caminho até seu coração.

TRADUÇÃO DE IVAN JUNQUEIRA



1


“Hão de abrir um caminho até seu coração”
As garras da ilusão às quais tu te entregaste
A vida em dor imensa expondo tal contraste
Em traiçoeira luz demonstra a podridão

Inerte em cada ser e nele se verão
As marcas mais sutis do medo que entranhaste
Ferrenha tentação aos poucos gera o traste
Que tanto se expusera em tétrica versão.

A morte me sondando encontra tão somente
A fétida impressão do quanto poderia
Em lástimas trazer além desta agonia

O que gerara vã, estúpida semente
Um pária na avenida esgota-se em vazios
Enquanto insanamente adentro podres rios...

2


“E minhas unhas, como as garras das Harpias,”
Penetram tua pele expondo esta carcaça
E quando apodrecendo o olhar futuros traça
As noites tão sutis, deveras morrem frias,
O quanto desejara e nada mais terias
Somente o que não vês, o tempo atroz já passa
Deixando tão somente além desta fumaça
Entregue em suas mãos, as mortes que ora crias.
Estúpida quimera, a sorte desairosa
Canteiro em aridez, negando qualquer rosa
Esgota qualquer fonte e mesmo que inda houvesse
Momento mais feliz seria insensatez
Somente na mortalha agora sei que crês
E trazes no vazio, uma oração em prece...

3


“Sobre ele pousarei a tíbia e férrea mão;”
Açoitando o quanto em lágrimas se fez
Gerando a podridão e dela a insensatez
Na gélida manhã, meu mundo sendo vão,
Escreve com terror, a negra solidão,
Diversa da que tanto ainda em sonhos vês
A vida não teria, ao menos seus porquês
O resto do que sou jogado em turvo chão.
Alheio caminheiro encontra o descaminho
E mede com temor o quanto me avizinho
Da morte redentora, a pútrida carcaça
Que tanto desejara e agora se percebe
Somente em vil navalha, adentrando esta sebe
Aonde uma esperança, aos poucos se esfumaça...



4


“E ao fatigar-me dessas ímpias fantasias,”
Não poderei seguir mesmo contra as marés
Aonde se acorrenta em firmeza os meus pés
Algemando com terror as horas mais esguias
E nelas com astúcia; as mãos aonde guias
Astuciosamente as farpas e as galés,
Deixando para trás, o que pensaram fés
Amarga realidade; em trastes, desfazias.

Esgarça-se a esperança e nada mais percebo
Somente esta aguardente amarga que inda bebo
Expondo a minha face em trágica figura
Enquanto a luz se afasta e a noite me procura
O resto do que fora amante solitário
Esconde-se da luz e segue temerário...

5


“Posso usurpar sorrindo os cândidos louvores”
E deles produzir cenários mais cruéis
E quando se bebesse apenas estes féis
O mundo não teria ainda novas cores.
E sei que te seguindo aonde ainda fores
Deixando para trás o que pensara em méis
Seria bem melhor em vários carretéis
Usando da clemência invés de tais terrores.

Mas sôfrego caminho imerso em solidão
E bebo da mortalha e nela o meu verão
Eternizado em dor explode em neves fartas
Assim desta passada atroz e mesmo inútil
O que pensara ser bem mais que simples fútil
Estrada sem final, da qual já não te apartas...

6


“Para saber se desse amante tão intenso”
Ainda poderia crer algum momento em paz
O quadro em luz opaca, agora se desfaz
Deixando em seu lugar este vazio imenso.
E quando noutro rumo eu teimo e ainda penso
Meu passo não se faz e tudo ainda traz
A voz já tão cansada um ar bem mais mordaz
Do qual com galhardia, às vezes me convenço.

Eu poderia ter além da podre face
Algum momento aonde expondo um vago impasse
Trouxesse mesmo alento a quem se faz mortalha,
Mas nada me impedindo eu sigo em voz atroz,
Bebendo cada gota, exposta e tão feroz,
Da morte que me toca e agora me agasalha.

7


“De nardo e mirra, de iguarias e licores,”
O mundo prometera a quem se deu em paz,
Momento mais feliz, e nele satisfaz
O quanto se deseja além destes fulgores,
Mas quando a realidade agrisalhando cores
Expõe o fardo amargo e nele a voz mordaz
Do peso da esperança, eu sei tanto voraz
Matando no canteiro o que pensara flores.
E tendo esta verdade em minhas mãos exposta
A carne dia a dia, eu sinto decomposta
E o medo trafegando aonde quis delírio,
Açoda-me o vazio e nele eu me desfaço,
Pudesse traduzir bem mais tranqüilo o passo,
Mas resta ao caminheiro apenas vil martírio...


8


“E aqui, de joelhos, me embebedarei de incenso,”
Após a noite aonde imaginara um brilho
E nele com ternura, enquanto maravilho
Podendo até tentar um dia claro e imenso.
Mas quando o sol renasce eu sei e me convenço
Do quanto em dor e medo, ainda tonto trilho,
Esgarça-se este pano e puído trama o denso
Caminho aonde tanto eu quis acreditar
Possível ter a sorte em luz quase solar
De um tempo mais feliz. Quem dera se possível,
Mas tudo não passando apensa de ilusão,
As horas transcorrendo o fim me mostrarão,
E o corte se aprofunda e o medo em mim, terrível.







9


“E assim, como eles, quero inteira redourar-me;”
Viver como se fosse um momento feliz
Aonde a realidade em luzes me bendiz
E tendo plena glória enfim poder guiar-me

Mostrando ao meu caminho o quanto pude amar-me
Embora seja amarga e imensa a cicatriz
Do quanto poderia ainda mais que eu quis
Sem ter no olhar a cruz que tanto me desarme

Expresso a solidão em verso mais venal
E tendo ausente porto, adentrando esta nau
Vencendo o dissabor em tétrica aversão

Amor em dores feito escravizado ser
Na angústia traduzida além de algum poder
Traçando o que bem sei expõe a podridão.

10

“Farei tal qual fizera ídolo de outros ritos”*
Seguindo o meu caminho em luzes variáveis
E nelas poderei momentos adoráveis
Diverso do que outrora imaginara em mitos,
Os dias que passei em rumos mais finitos
Podendo acreditar nos cantos tão louváveis
E mesmo quando imerso em solos quando aráveis
Ainda que eu tentasse ouvir do sonho os gritos
Jamais eu poderia entranhar a verdade
Sem ter dentro de mim o quanto ainda brade
O peso do passado; expressa o nada ser
E quanto mais voraz, ainda que tentasse
Mantendo tão somente a dor de algum impasse
E nele com certeza o rumo em vão perder...

* o verso original seria “Farei tal qual os ídolos dos velhos ritos”, mas como há quebra de ritmo com relação ao alexandrino tomei a liberdade de alterá-lo para não perder o ritmo.



11

“Pois se tão bela sou que ele deseja amar-me,”
Mergulharia em vão nos braços do vazio,
E quando tendo o não, eu mesmo me recrio
Podendo ver no fim, quem tanto ainda me arme
E sendo sempre assim, a voz que ao revoltar-me
Sonega uma alegria, e expressa o resguardar-me
Qual fora o desalento e nele o desafio
Ainda que dorido, o medo assim desfio
Gerando o meu pavor, e nele o revoltar-me.

Estúpida quimera, a sorte do não crer,
Encontra algum alento aonde pude ver
A sombra do passado em mim já lacerando
O que talvez pudesse entranhar a verdade
E nela o desafio além do que degrade
Matando a sonhadora em fogo amargo e brando.


12


“Sua mulher nas praças perambula aos gritos:”
E nesta insensatez se percebe o quão dorida
Se mostra a realidade amarga desta vida
Aonde se mostrasse estúpidos tais ritos.
O sonho mais atroz invade os infinitos
E traz uma alegria há tanto em despedida
E nela a sordidez, aos poucos sendo urdida
Mostrando-se em nudez os cantos mais aflitos.

Eu pude perceber a minha própria dor
Ao ter no meu olhar a vida a decompor
Palavras tão venais resumem a ilusão
E nela perecendo o encanto que eu queria,
Traçando a realidade, esqueço uma utopia
E sei das vastidões dos nadas que virão.



13

“E se arrependem por lhe haver cruzado os passos”
Qual fora algum demônio astuciosamente
Seguindo cada traço, um pária, este demente
Ocupando sem trégua aos pouco seus espaços
Deixando o caminhar em tons sombrios, lassos
Vencendo destemido o quanto ainda sente
Aquele que pensara apenas tão somente,
Vivendo por viver, sequer deixando traços.

Assisto à derrocada enfim dos meus anseios
E bebo a tempestade, adentrando os seus veios,
Nefasta maravilha exposta a cada olhar
E tendo esta certeza, a morte companheira
Por mais que ainda tente, inútil se não queira
A sombra do futuro, em trevas irá tomar.


14


“Hipócritas, dizem-lhe o tato ser nefasto,”
Mas sabe muito bem o quanto se desfez
Quem tanto imaginara além da lucidez,
Por isto da verdade, eu sinto que me afasto,

E o gesto quase insano, há tanto tempo gasto,
Diverso do que ainda eu sinto que tu crês
Mudando a direção, negando seus porquês
Gerando do vazio, o quadro em que o repasto

Pudesse ter além de um sórdido momento,
No qual com total fúria às vezes me alimento
Arcando com engano e treva que se gera,

Bebendo a podridão que exalas quando ris,
E mesmo assim ainda, eu creio-me feliz,
Podendo ter no olhar, a apascentada fera.


15


“Eis que misturam cinza e pútridos bagaços”
E desta estupidez na qual eu me criara
A fome não sacia, a sorte se faz rara,
E o gozo não me deixa ao menos leves traços.

Realço cada passo em busca dos regaços
Aonde talvez creia amor já se declara
E quando me entranhando em noite fria e amara,
A morte se aproxima, e trama em duros laços

Errático caminho aonde ainda trilha
A lua ensandecida, espúria maravilha
Vestida em plena prata, anunciando o sol,

Mas como se nublando a vida me tortura
E quando se percebe a madrugada escura
Tomando em cinza intenso as cores do arrebol.




16


“Ao pão e ao vinho que lhe servem de repasto”
Apodrecendo a cruz matando assim o Cristo,
Negando amor, perdão, deveras eu insisto
Quando percebo assim, aspecto tão nefasto

Do quanto ainda vive, embora um tanto gasto
O vendilhão canalha, um pútrido e vão cisto
Adentrando num Templo, aonde não resisto
E vejo com terror enquanto enfim me afasto.

Estranho este poder aonde não houvera
Da furiosa garra exposta de uma fera
Matando este cordeiro há tanto em sacrifício,

E quando se mostrara outrora mais cruel,
Poder sem ter limite, além do próprio Céu
Gerando em nome D’Ele o “sacrossanto” Ofício!

17


“E empenham-se em sangrar a fera que ele traz”
Vorazes seres tais que adentram cada sonho
E neles o retrato audaz, feroz, medonho
Qual fosse nesta vida, a angústia mais voraz,

E tendo em meu olhar, a face tão mordaz
Do quanto imaginara e agora decomponho
Num ato quase insano e nele já me exponho
Enquanto ao longe; vês e sei que satisfaz

Instinto mais cruéis, da estúpida pantera
Que apenas um vacilo, espreita e tanto espera
Devora com terror, as vísceras expostas

E quando me percebo inerme, sob as garras
Fatídico prazer; em ti vejo as fanfarras
E nelas o delírio em carnes decompostas...

18


“Buscam quem saiba acometê-lo em pleno seio,”
Os medos mais sutis, as armas escondidas
E neles eu me espelho e vejo sendo urdidas
As farsas pelas quais expões todo o receio,

E quando no vazio, estúpido inda creio,
Enganos mais venais, as honras esquecidas,
A lágrima que escorre encobre tais feridas
E nelas eu percebo, em ti claro recreio.

Bebendo cada gota esgotas todo o sangue,
E tens no teu olhar, a podridão do mangue
Tocando com furor, o charco que hoje sou,

E nele se entranhando, em lástimas farsantes,
Matando com sorriso, os sonhos delirantes
A fera se sacia e come o que restou...


19


“Ou então, por desprezo estranha à sua paz, “
Mergulhasse num mundo aonde não teria
Sequer algum alívio e a morte então seria
Um rumo desejado, o que me satisfaz,

A pútrida verdade, o sonho não desfaz
Aonde se pudesse além da fantasia
Mortalha com certeza, em mim já caberia
E nela o meu futuro, espúrio e tão mordaz.

Ou então por somente acreditar no não
Jamais eu saberia aonde a sorte insiste
E o coração atroz, deveras sempre triste

Sem ter e nem saber se há rumo ou direção
Batendo por bater aguarda então meu fim,
E nele a redenção e a paz dentro de mim...


20

“Os que ele quer amar o observam com receio,”
E nada mais trarão somente este vazio
Que tanto me maltrata e mesmo desafio,
Não tendo mais saída, ainda busco o veio

Por onde eu poderia estar da morte alheio,
A porta se fechando, amenos os estios
Que tanto procurara e agora sem pavios
Não posso mais tentar o encanto que eu anseio.

Quando esgarçada sorte entranho em luz opaca.
No peito se cravando amarga e fina estaca
A morte se aproxima e nela vejo o brilho

Aonde desvendara os ermos que busquei,
Sabendo da verdade, antevejo esta grei
Que agora, sem destino, em paz superna, trilho...

21

“Chora ao vê-lo feliz como ave da floresta”
A medonha figura aonde se mostrara
A face verdadeira embora mesmo amara
Deixando para trás a sorte que inda resta.

O quanto se percebe a vida assim funesta
E o beijo em falsa luz, deveras escancara
A imensidão da dor que em ti já se declara
Matando o que talvez ainda seja aresta

De um tempo mais feliz, passado sem sentir,
Morrendo dia a dia o que se fez porvir
E tendo no vazio, apenas o retrato

Do quanto fora luz e agora nada além
Da treva mais feroz na qual já se contém
O que ainda vivo, espreito e desacato...


22


“O Espírito que o segue em sua romaria”
Traduzindo a face espúria da verdade,
E quando a dor enorme adentra em fúria, invade
Deixando alheia então diversa fantasia
O corte se aprofunda, e a morte geraria
Naquele que talvez aos poucos se degrade,
Marcada a ferro e fogo a dura realidade,
Negando algum sorriso a quem não poderia

Saber do quanto dói a ausência da esperança
E quando a minha voz, ao nada ora se lança
Reflexos de quem tanto amou e não sabendo

Do quanto bebe em luz, quem trevas traduzira
Distante deste olhar, acende-se uma pira
E nela ainda vejo, inglório dividendo...




23


“E a via-sacra entre canções percorre em festa;”
Deixando para trás as dores tão diversas
E quando sobre o sonho ainda sei que versas
Depois de certo tempo, ao nada já se empresta

O coração de quem sabendo ser funesta
A vida tão atroz em luzes mais dispersas
Sombria realidade; aonde vejo imersas
As dores mais venais, e a morte; aos poucos, gesta.

Eu quero ter à frente o olhar audacioso
Enquanto se prepara ainda sinto o gozo
No qual mergulharia o resto que inda trago

E nele tão somente o peso que carrego
Sabendo ainda ser o passo audaz e cego
Escuso caminhar sem luz e sem afago...


24


“Às nuvens ele fala, aos ventos desafia”
E sabe que não tem sequer uma esperança
Aonde poderia a voz que não se lança
Trazer após tempesta a noite menos fria.

O quanto se perdeu e o tanto que faria
Não fosse a vida assim, amarga e dura lança
Deixando no passado apenas a lembrança
Da morte que se dando esgarça a fantasia.

E o beijo amargo e falso, apenas destempera
Gerando o nada ser, estúpida quimera
A porta se estraçalha e nada se percebe
Senão a dor feroz e atroz do que jamais
Servira como amparo em meio aos temporais,
Destroçando sem dó resquícios desta sebe...


25


“Há um gosto de ambrosia e néctar encarnado”
Na boca que me morde e teima ser venal,
Aonde se faria um rito triunfal
Apenas o vazio aos poucos desvendado
O cheiro que percebo assim adocicado
Na pútrida certeza, o medo sem igual
E o corte se aprofunda, eu sei quanto é fatal
Traduz o que seria ao menos um pecado.

Satânico e mordaz, sorriso em face exposto,
O olhar decepcionado e mesmo decomposto
De quem se fez a fera e tenta disfarçar
Deixando no passado apenas o vazio,
E nele o quanto quero e teimo e desafio,
Matando o que restara ao menos, soube amar...

26


“E em tudo o que ele come ou bebe a cada instante”
A pútrida carcaça exposta ao forte vento
Explode em raro gozo, e nele me apascento
Deixando um resto amargo e mesmo deslumbrante.
O tempo nunca pára e sei do quão distante
Dos olhos de quem ama a luz de um vão tormento,
Mas tudo se transforma em fúria e desalento
Qual fora um falso brilho, inerte diamante.

Esbarro no passado e vejo a sua face
E nela se permite o quanto em tosco impasse
Futuro se desnuda audaz e em voz sombria,

A morte é solução, demônios me rondando,
Aonde se quisera um mundo ao menos brando,
Somente a solidão, deveras se porfia...


27


“Inebria-se ao sol o infante deserdado,”
E deixa demarcada a face em cicatrizes,
De tanto que pensara envolto nos deslizes
Encontro tão somente o que pensei passado
E o gosto do futuro há tanto abandonado
Diverso do que agora ainda queres, dizes
Espúria realidade, envolta em tais matizes
Trazendo enfim o céu, sem luz, acinzentado.

Nas ruas párias, sinto o quanto se fez claro
O desamor que vivo, e neles desamparo
Traçando o dia a dia, em mortalhas desfeito,
E o beijo da pantera estraçalhando o rosto,
Carcaça da ilusão, meu corpo decomposto
Seguindo sem destino, embora satisfeito...


28


“Sob a auréola, porém, de um anjo vigilante,”
O corpo putrefeito, a carne exposta e crua,
Deitando sob a fonte argêntea desta lua
Que mesmo em tal fastio encontro deslumbrante.

A morte é talvez tudo o quanto neste instante
Ainda sobre mim, domina e se cultua
A porta da ilusão expressa a própria rua
E nela uma alma bebe a luz inebriante

Do quanto poderia e nada então se fez,
No olhar do caminheiro há tanta insensatez
E o fim se aproximando, e nele se redime,

Certeza que terei, não nego e nunca fujo,
O coração imerso em lama, podre e sujo,
Sabendo que terá castigo após tal crime...


De Praia para o mundo lusófono

VALMAR LOUMANN
 
Autor
VALMARLOUMANN
 
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