Antero de Quental
Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…
E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…
Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.
1
“Na comunhão ideal do eterno Bem”
Sagrando o nosso amor a cada verso,
E ter em minhas mãos este Universo
Aonde o ser feliz deveras vem
E em todos os momentos diz de alguém,
No qual meu sentimento siga imerso
Por mais que o caminhar mostre diverso
O rumo onde se expressa o que contém.
Divina providência feita em luz
À qual um brilho raro me conduz
Levando a cada dia um infinito
E nele alçando além do simples gozo,
Um templo feito em glórias, fabuloso,
Tornado muito mais que um mero mito.
2
“Juntos no antigo amor, no amor sagrado,”
Seguimos rumo ao éter. Sou feliz
Em ter sob os meus olhos o que quis,
Vivendo muito além deste passado,
O dia sempre estando iluminado,
A sorte que desejo já bendiz
E o tempo sem remorso ou cicatriz
Transcorre num caminho ora traçado
Por mãos abençoadas, redentoras,
Aonde outrora em noites sofredoras
Ditara a solidão, venal e a atroz,
E quando me percebo junto a ti,
Renasço e recupero o que perdi,
Felicidade ouvindo a minha voz.
3
“Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,”
Encantos sem igual que me entorpecem,
E neles os desejos já se tecem
Traçando este futuro que ora vem
Dizendo do passado sem ninguém,
As dores que vivemos não se esquecem,
Mas quando em nossas vidas amanheces
O sol toda a beleza em si contém.
Não posso mais seguir sendo tristonho
E quando um novo tempo; assim componho
Trafego por estrelas, constelar.
E posso até dizer que sou feliz,
O amor que me invadindo tanto diz
Permite por espaços navegar...
4
“De novo, esses que amei vivem comigo,”
Os sonhos mais felizes que eu pudera
Traçando novamente a primavera
Trazendo ao trovador, encanto e abrigo.
Por vezes tão diverso do perigo
O mundo em luzes fartas se tempera,
Criando este palácio da tapera
Mostrando todo encanto que persigo.
Alcançarei além do simples fato
No qual com todo o brilho me retrato
Ungindo o meu caminho em paz imensa,
E tendo teu amor, enfrento as dores,
Seguindo meu amor, por onde fores,
Ao fim felicidade é recompensa...
5
“Fechar os olhos, sinto-os a meu lado”
E tento perceber a maravilha
Do sonho que deveras luzes trilha
Traçando um novo dia abençoado.
Há tanto um sofredor, desalentado
Não via estrela imensa que ora brilha,
A sorte se tornando uma armadilha,
O encanto em desencanto destroçado.
E quando eu percebi tua chegada
Imagem tão sublime e delicada
Fazendo do meu canto, uma alegria.
E agora que percebo quão feliz
O mundo aonde o sonho expus e quis
Tocado tão somente por magia...
6
“Mas se paro um momento, se consigo”
Vencer os dissabores mais constantes
Sabendo quão sobejos, delirantes
Os mundos que deveras eu persigo,
No encanto sem igual quero e prossigo
Vivendo sem temores, radiantes
Delírios entre cantos deslumbrantes
Jamais imaginando dor, castigo.
Querendo estar contigo o tempo inteiro,
O encanto se mostrando derradeiro,
Não mais comporta o medo e o sofrimento,
E tendo nos teus olhos os meus guias
As noites não serão atrozes, frias,
Tampouco sobre nós o imenso vento...
7
“E entre ela, aqui e ali, vultos submersos”
Assim a noite passa turbulenta,
E quando se pensara em quem me alenta
Ausente dos meus olhos claros versos,
Os dias entre dores vão imersos
Nem mesmo uma esperança me apascenta,
A sorte que deveras já se tenta
Perdida nos caminhos mais diversos.
Entranham-se terrores, mas persisto
E sei que na verdade se inda existo
Somente por tentar amar demais.
E não concebo enfim, outra saída,
Se perco pouco a pouco a minha vida,
Em ti encontro enfim, um tenro cais...
8
“Só vejo espuma lívida, em cachões,”
E neles turbulências ditam sortes,
Na ausência do que outrora foram nortes
O que fazer se perco as direções,
E quando a realidade tu me expões
Sem ter quem na verdade te confortes,
Olhando num espelho, vejo as mortes
E nelas talvez nossas salvações.
Esgoto as minhas últimas palavras
Tocando estas daninhas que ora lavras
Permitindo espinhoso este canteiro,
E o canto a quem me entrego em ladainha
Há tanto com certeza nos convinha,
Por ser esteja certa, o derradeiro...
9
“Na corrente e à mercê dos turbilhões,”
Já não consigo mais vencer quimeras
E sei que tanto queres quanto esperas
De todos os temores, soluções.
E quando se mostraram os verões
Aonde se pensara em primaveras,
Apenas os invernos, frias feras
Que agora sem temores recompões.
As cúpricas folhagens deste outono,
Do medo e do terror ora me adono
E adorno-me somente do granizo.
Esqueço que talvez houvesse um porto,
Já me percebo ausente e semimorto
Seguindo em passo trôpego e impreciso...
10
“E eu mesmo, com os pés também imersos”
No imenso lamaçal chamado vida,
Há tanto se perdendo distraída,
Deixando para trás meus tristes versos,
E quando em outros rumos vão dispersos
Caminhos onde outrora uma saída
Se via na verdade é vã, perdida,
E nela estão ausentes universos.
Descrevo com terror cada momento
Aonde se mostrasse em desalento
A fúria do vazio em que mergulho.
Aonde imaginara flórea senda
A vida não permite e já desvenda
Somente um espinheiro, um pedregulho...
11
“Na fuga, no ruir dos universos”
Já não conseguirei saber se outrora
O sol que se demonstra firme, agora
Trouxera raios frágeis e dispersos,
Aonde no passado em vão submersos
Desejos se perderam sem ter hora,
Porquanto noutro porto a paz se ancora,
Calando o que talvez pudesse em versos
Dizer com tal clareza sobre o amor,
Que tanto desejei e sem louvor
Expressa a derradeira luz, mas tento
Viver além do quanto poderia
Saber que mesmo sendo fantasia
Encontro no meu sonho algum alento...
12
“Levados, como em sonho, entre visões,”
Os dias onde outrora fui feliz,
Enquanto toda a sorte se desdiz,
As dores em terríveis borbotões,
Bebendo as minhas lágrimas expões
Toda a fragilidade e a cicatriz
Que habita dentro da alma, uma infeliz,
Esconde as mais diversas emoções.
Esgarçam-se os meus dias, vagamente,
A sorte sem alento também mente
E tudo não passado de uma farsa.
O quanto imaginara ter nas mãos,
Momentos que não fossem todos vãos,
Nem mesmo uma ilusão finge ou disfarça.
13
“arrastados no giro dos tufões,”
Os sonhos se perdendo em pesadelos,
Não pude e nem devia mais contê-los
Sabendo tão ausentes os verões.
E neles as tristezas e aversões
Envolvem minha vida em vãos novelos,
E quando se pudesse percebê-los
Ausentes dos meus olhos, tentações.
Escassas noites feitas em ternura,
E quando a sorte invade e me amargura
Não deixa sequer sombra do que outrora
Já fora uma alegria, agora morta,
Fechando eternamente a minha porta,
Somente a solidão, chega e devora...
14
“Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,”
Não pude nem sequer saber aonde
A sorte benfazeja ora se esconde,
Deixando assim calados os meus versos.
Pudesse ter nos olhos universos,
E o quadro mais feliz. Ninguém responde,
Calado, persistindo inda que eu sonde
Por mundos mais complexos e diversos.
Amores se perdendo em solidão,
Os dias novamente mostrarão
O quanto fora inútil caminhar.
Sozinho sem ter eira nem morada,
A noite que julgara enluarada,
Neblina sonegando este luar...
De Praia para o mundo lusófono
VALMAR LOUMAN