Crónicas : 

a poesia como razão de ser.

 

Que dizer da poesia? Que dizer de quem escreve e faz dos sentimentos tinta que borra o papel em traços delineados pela emoção. Dizer que o poeta é um mentiroso, é muito simples, dizer que é flor a desabrochar, muito rebuscado, ou não estará na morte da flor um sublime espaço poético? Não estará na verdade que o poeta escancara por vezes de forma subjectiva o ultimo objectivo da poesia?
Ser poeta não é ser mais alto, é ser o comum dos comuns e nessa humildade ser capaz de ver o que mais ninguém vê, fazer da vaidade alavanca que o torna, aí sim, mais alto porque comungando das vivências do que o envolve, veste-se de povo, despe-se de preconceitos, porque nem tudo na poesia são cores do arco-íris ou amor desbravado a talho de rimas e confissões melosas.
Ser poeta é ser capaz de escrever verdade ainda que minta no pressuposto do que sente no momento, mas a ideia subliminar deve e tem de ser sempre verdadeira por força da razão poética e da não desvirtuação do dom que almeja. A verdade e o inconformismo consubstanciam o que de mais virtuoso a poesia encerra.
O poeta é por isso e antes de mais, um intervencionista. E sempre que um poeta se cala é uma andorinha que morre, uma primavera que empobrece.
 
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jaber
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/03/2010 12:04  Atualizado: 21/03/2010 12:04
 Re: a poesia como razão de ser. para jaber
Como todas as crónicas ao jeito "jaberiano" está soberba, mas esta tocou-me particularmente e com a devida permissão assino por baixo jaber e levo-a comigo. Posso?

um abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/03/2010 12:35  Atualizado: 21/03/2010 12:36
 Re: a poesia como razão de ser. p/ o Jaber
A verdade e o inconformismo consubstanciam o que de mais virtuoso a poesia encerra"...

É este o núcleo do teu excelente texto. Adoro escrever sobre a poesia, nesses exercícios metalinguísticos que nunca esgotam a reflexão sobre o tema, nem a definem de modo estanque.
Jorge Luís Borges deixou-nos coisas preciosas sobre a poesia, em poesia:




Mirar o rio, que é de tempo e água,
E recordar que o tempo é outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que passam os rostos como a água.

E sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar, sentir que a morte,
Que a nossa carne teme, é essa morte
De cada noite, que se chama sonho.

E ver no dia ou ver no ano um símbolo
Desses dias do homem, de seus anos,
E converter o ultraje desses anos
Em uma música, um rumor e um símbolo.

E ver na morte o sonho, e ver no ocaso
Um triste ouro, e assim é a poesia,
Que é imortal e pobre. A poesia
Retorna como a aurora e o ocaso.

Às vezes, pelas tardes, uma face
Nos observa do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria face.

Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Humilde e verde. A arte é essa Ítaca
De um eterno verdor, não de prodígios.

Também é como o rio interminável
Que passa e fica e que é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.

Arte Poética, de Jorge Luís Borges


Execelente, repito, o teu texto.
Beijo,
Sandra.

Enviado por Tópico
miriade
Publicado: 21/03/2010 13:54  Atualizado: 21/03/2010 13:58
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 Re: a poesia como razão de ser.
Poeta e poesia, são exatamente esse seu esclarecer,o poeta tem essa missão que lhe inquieta a alma em manifestar seu significar,pode nem ser inteligente um poeta, mas se faz intelígivel e claro,porque tem a necessidade de explanar seus sentidos e tornar patente sua verdade axiomática,um poeta não escamoteia, ele fala de sua realidade, sua exatidão mesmo fantasiosa querendo ou não...e a poesia é sim magia da ilusão cujo oposto é possivel.
É sempre muito bom ler-te, levo esse no coração,
parabens,

Beijos,Lu