Poemas : 

ANÁLISE - EM HOMENAGEM A FERNANDO PESSOA

 

ANÁLISE
Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.


FERNANDO PESSOA



1

“Em que sinto que sonho o que me sinto sendo”
Apenas ao buscar qualquer caminho
Que em meio aos dissabores adivinho
Por vezes solitário ou estupendo.

E quando em poesia me contendo
Não posso mais seguir, sendo sozinho
Esboço a precisão de um falso vinho,
E nela se percebe o dividendo

Atento ao nada ter já não consigo
Vencer o que pudera em desabrigo,
Cinzel perpetuando cada verso

Esculpo o que talvez ninguém perceba,
Mas quando da aguardente amarga beba,
Conceba num soneto este universo.


2


“Do interior crepúsculo tristonho”
Extraio o descaminho ainda que
No fundo a realidade não se vê
Tampouco ao que deveras me proponho.

Esgarço com palavras noite e dia,
Afasto-me dos medos me aproximo,
Sabendo a cada passo deste limo
E o tombo com certeza não se adia.

Extraviando assim o passo, alheio
Aos vários dissabores que desfruto
Por mais que ainda tente ser astuto
Vontade de seguir; teimo e refreio,

Tristeza soletrando a cada lavra
Colhendo em amargura uma palavra...

3


“Que te vejo, ou sequer que sou, risonho”
Falseio a realidade, vil farsante
E quando se pensara em diamante
Cristal; somente vejo e recomponho

Meu mundo mesmo quando em vago sonho,
Por vezes é terrível, delirante,
Mutável caminheiro a cada instante,
Percebo quão inválido e tristonho

Se o peso que carrego enverga as costas,
Perdendo num relance tais apostas,
Esparsas as palavras de um soneto,

E o corpo em lassidão já não comporta
Sequer a poesia semi morta
Que ainda mesmo espúrio, ora cometo.


4


“Não te vendo, nem vendo, nem sabendo”
Se o quanto se pudesse ser além
Do vago que deveras sempre vem
Depois de um tempo amargo ou estupendo.

Escuto a voz do vento me clamando
E nela as emoções são variadas
Ao medo minhas sortes já lançadas
O fogo que ora invade sendo brando

Não deixa a cicatriz nem mesmo em fráguas
Diversas embalando o pensamento,
Pudesse ter talvez algum tormento
Nos mares em que tanto crês, deságuas.

E sirvo de alimária pra quem tenta
Fazer a poesia mais sedenta...


5


“A ilusão da sensação, e sonho,”
Servir aos meus propósitos banais,
Os quadros dos desejos magistrais
São todos falsos quadros que componho.

O peso do passado não reponho
E deixo para além o porto e o cais,
Partícipe do encanto do jamais,
Percebo quão diverso se é bisonho.

Ecléticas visões de dias tantos,
E deles se concebem os quebrantos
Nos quais eu adivinho a poesia,

E o bêbado funâmbulo desaba
Na corda sempre bamba, enquanto acaba
Sem nexo, sem amor o que eu queria...


6


“E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto”
E faço da mentira a fortaleza,
Decerto quanto agravo a correnteza
O beijo que pensara segue extinto.

Vestir a alegoria mais ingrata
E ter decerto o medo que sacia
Mecânica diversa da alegria
O mundo reconhece e desbarata,

Alívio se percebe quando então
Repastos feito em luzes tu propagas,
Andando por diversas, toscas plagas,
Mergulho sem sentido ou direção,

E neste verso imerso, nada crio,
Somente permaneço mais sombrio...


7


“Consciente de ti, nem a mim sinto”
E sei que tanto quanto já me dou,
Recolho tão somente o que sobrou,
Deixando-me levar por este instinto.

E quando nos teus olhos eu me pinto
Vestindo o que deveras se rasgou,
A velha fantasia não restou
Traçando a realidade que ora minto.

Pressinto o que talvez não aconteça
Ainda quando inútil obedeça
O coração veleiro sem um porto.

Trafego por diversas avenidas
Caminho por estradas divididas,
E beijo o meu passado, mesmo morto...


8


“Sabendo que tu és, que, só por ter-me”
Eu tento em desvario prosseguir,
Mesmo que esteja longe do porvir
Não posso nem consigo mais conter-me.

E trago nos meus olhos o abandono,
Semeio mesmo em vão em solo agreste,
Bebendo cada gota do que deste,
Os erros do passado agora clono.

E vivo por saber que no futuro
Ainda existirá tal liberdade,
E quando a vida inteira se degrade
Num tempo mais cruel, portanto escuro,

Sobrevivendo aos velhos temporais,
O barco encontrará, de novo um cais...





9


“Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me”
Assim tão frágil, posso caminhar
Mesmo quando não tenha algum luar,
Ninguém jamais deveras vai conter-me

Portanto se me encontras quase inerme
Não verás no silêncio o me negar,
Somente contra tudo irei lutar
Até que alguém consiga convencer-me.

Perdendo desde sempre qualquer rumo,
As tramas enganosas eu resumo
E bebo da tempesta sem temor,

Pudesse desfiar cada novelo
E assim ao desvendar, já percebê-lo
Além do que pudesse me propor...


10


“E a idéia do teu ser fica tão rente”
Que esbarra nos meus dias e me entranha
Aquém da imensidão de uma montanha,
Por mais que ainda seja tão ardente

Agindo contra todas as promessas
E os erros convergindo num só fato,
Degenerando a vida me maltrato
Enquanto a cada tempo recomeças

Usando da palavra como açoite
Vergastas lacerando o meu futuro,
Porquanto dentro em mim inda procuro,
Além do que se fora algum pernoite

Esgoto as minhas chances de poder
Um dia, finalmente me saber...


11


“Teu corpo do meu ver tão longemente,”
Escapando das mãos, não mais consigo
E teimo contra tudo e sem abrigo,
Jamais por mais que ainda inútil tente.

Ecléticas versões do mesmo enredo,
Não podem discernir plena verdade,
Alheio ao que me dizes, vejo a grade
E tento, desairoso, e até concedo

Um tempo mais feliz quem sabe quanto
Dos antros mais estranhos, nada vejo
Somente esta semente de um desejo
Canteiro semeado em desencanto.

Pergunto sem respostas, mas não creio,
Distante dos teus olhos, meu anseio...


12


“E nada fica em meu olhar, e dista”
Das mãos a solução que ainda tento,
Pesando em minhas costas, pensamento,
A sorte se perdendo, velha artista.

O corpo se esfacela e não desista
Encontro em tua senda o forte vento
E nele com certeza tal tormento,
Por mais que a fantasia ainda insista.

Pudesse ter colheita mais perfeita,
Mas nada se mostrando quando deita
Ao solo com venal semeadura.

O passo sendo assim, trôpego e falso
Somente encontrará queda e percalço
Aonde imaginara uma ternura...


13

“Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,”
Num mosaico infinito, feito em luzes
E quando à perfeição tu me conduzes
Diversa realidade que persista.

Caleidoscópio vário em mil matizes,
No espelho de tua alma me perdi
E quando me percebo estou aqui,
Diverso do que tanto me desdizes,

Não posso ter além do que consigo
Se eu sou em ti diversidade
E quando na maior profundidade,
Vislumbro tanto amor quanto perigo.

E passo a ser somente um complemento
Deste conjunto aonde tomo assento.


14


“Que me vem de te olhar, que, ao entreter”
Não deixa qualquer dúvida e se imerso
No todo se transforma este universo,
Num misto de pavor e de prazer.

O passo mais audaz ao perceber
O quanto se propõe a cada verso
Sentindo ser apenas mais disperso
O que talvez pudesse merecer.

Alio-me ao quanto és e não me calo,
Seguindo cada passo neste embalo,
Eu sou o que tu és, e não me omito.

Transcende-se ao real e multiplica
A forma que deveras se edifica
Gerando tão somente este infinito...


15


“Tão abstrata é a idéia do teu ser”
Que quando a concretizo se percebe
Além do que pudesse simples sebe
Um universo imenso a me conter.

Percebo em ti diversa dimensão
E assim perpetuando num mosaico
O quanto inda parece ser prosaico,
Mas nunca percebera divisão.

Etéreas as imagens procriadas
E nelas prosseguindo imerso, creio
Que além de simplesmente mero veio,
Unidos somos mais que tantas vidas.

Análises complexas e reais
Fenômenos supernos, magistrais...
MARCOS LOURES
 
Autor
MARCOSLOURES
 
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