Que vale a pompa e o resplendor do trono!
Triste vaidade! O alvergue de um colono
Mais encantos encerra e mais doçuras!
De calma consciência à sombra amiga
Floresce o riso e o júbilo se abriga,
Livre de enganos e visões escuras.
Quem não aspira da grandeza aos combros
Tem segura a cabeça sobre os ombros,
E a vereda conhece onde caminha;
Dorme sem medo, acorda sem pesares,
E vê, feliz, a prole junto aos lares
Vigorosa estender-se como a vinha.
Sob os dosséis dos sólios a mentira
Boceja e o corpo sensual estira
No tapete macio dos degraus...
São sempre incertos do reinante os passos!
Ame embora a verdade, ocultos laços
Prendem-o cego aos cálculos dos maus!
Oh! Ditoso mil vezes o operário!
Ama o trabalho, e o módico salário
De prantos nem de sangue está manchado!
Combates não planeja em vasta liça!
Nem das vítimas ouve da injustiça
A queixa amarga e o clamoroso brado!
Não desperta alta noite em sobressalto!
Nem dos cuidados ao cruento assalto
Sobre o ouro e o cetim geme e delira!
Qual manso arroio sobre a terra corre,
E no meio dos seus tranqüilo morre
Como a nota de um canto em branda lira!
Não invejeis as pompas das alturas!
O raio deixa os vales e as planuras,
A tempestade preza as serranias!...
Quereis saber da majestade a glória?
Lede nos régios túmulos a história
Dos soberanos de passados dias!
FAGUNDES VARELLA
2
“Dos soberanos de passados dias”
Apenas a lembrança habita o sonho
Que inutilmente agora em vão componho
Gerado enquanto; insana, fantasias,
Vivesse pelo menos alegrias,
Mas sei quanto terrível e medonho
O quanto em desafio me proponho
Na ausência do que fossem alegrias.
Ao menos poderia perceber
Num átimo um sorriso delicado,
E tendo o meu caminho já traçado
Nas ânsias mais sobejas do poder
Enfrento os desafios de quem tanto
Tivera tão somente o desencanto!
3
“Lede nos régios túmulos a história”
De quem se fez senhora dos meus ais,
Os dias que pensara magistrais
Tornaram minha vida merencória.
Pudesse finalmente ter a glória
Descrita nos momentos sensuais
Diverso do que agora demonstrais
Em vosso olhar somente em vã memória
Recebo em desalento a vaga sorte
Que tanto desejara e não conforte
Quem sabe ser ausente uma esperança.
E tendo-vos querida qual rainha
Aonde a minha senda desalinha,
Por onde tanto amor jamais alcança...
4
“Quereis saber da majestade a glória?”
Procuro algum momento em que inda possa
Sonhar além do medo feito em troça
Deixando para trás qualquer vanglória.
Não quero da vida mera escória
Tampouco mergulhando em funda fossa
Realço esta verdade que destroça
Por mais que fantasia, a luz decore-a.
Navego pelos mares mais distantes
E vendo estrelas belas radiantes,
Sonhando com suave ancoradouro,
E tendo-vos por guia em noite imensa,
Minha alma tão somente que e pensa
Em vós como se fosseis meu tesouro...
5
“A tempestade preza as serranias”
E traça em cores grises o horizonte,
Por mais que ainda queira quem me aponte
Durante o temporal, alegorias.
Vivendo em vós somente as fantasias
Das quais o amor se fez segura ponte,
Sem nada que deveras desaponte,
Vencendo noites turvas e sombrias.
Servir-vos como serve um marinheiro
À bela comandante de um saveiro,
Enfrentando as procelas temerárias,
E ter nas mãos a sorte de saber
Que em vós eu poderei sempre vencer
Agruras muitas vezes procelárias...
6
“O raio deixa os vales e as planuras”
Adentrando por serras e montanhas,
Enfrento com paixão, difíceis sanhas
E sei que em vós encontro enfim ternuras.
Por mais que as sendas sejam tão escuras,
E as horas tão doridas quão estranhas,
Conheço dos amores as entranhas,
E neles cessaram tantas procuras...
Alvissareiro sonho em que me dou,
Vencendo cada farsa, agora vou
Beber da suave mina feita em gozo.
Convosco não conheço solidão,
Momentos mais sublimes mostrarão
Um porvir decerto majestoso...
7
“Não invejeis as pompas das alturas!”
Tampouco os abissais caminhos vários
Aonde os passos restam temerários,
Vivenciando em dor tais amarguras.
Ao ter-vos do meu lado após procuras
É como descobrisse relicários
Prazeres sendo mesmo temporários
Impedem tão somente tais loucuras.
E vivo por saber que em vós se vê
O amor tendo deveras seu por que
E nada impedirá tal caminhada
Adentrando os luares mais felizes,
Sabendo tão distantes cicatrizes,
A vida sendo sempre iluminada...
8
“Como a nota de um canto em branda lira”
Encontro em tua voz a paz que tanto
Desejo e ao enfrentar medo e quebranto,
Uma alma enamorada enfim delira.
E quando nos teus braços já se atira
O amor que em tenra noite agora canto,
Deixando para trás tortura e pranto,
Impede-se que a dor audaz nos fira.
E sendo teu amante, sou feliz,
Alvíssima manhã, o que mais quis
Ao lado desta sílfide divina,
A vida transcorrendo mansamente,
De todas as tempestas sigo ausente
Ao ter esta emoção que me fascina...
9
“E no meio dos seus; tranqüilo morre”
Quem tanto procurara pela paz,
A vida muitas vezes é mordaz,
Enquanto em tempestades ela escorre.
E quando a fantasia nos socorre,
Às vezes um carinho satisfaz,
Mas tanto quanto posso mais audaz
A sorte mais ao longe, foge, corre...
Eu quis amar além do que podia,
E tendo como herança esta agonia
Que entranha dentro da alma e me maltrata.
Ao ver já retratada a minha sorte,
Sem ter quem nesta vida me conforte,
Caminho para a morte, simplesmente.
Pudesse ter o alento desta que
O olhar procura insano e nada vê,
Nem mesmo no meu fim está presente...
10
“Qual manso arroio sobre a terra corre,”
E traça sobre os vales um desenho
E quando sobre os traços sigo e venho,
A sorte muitas vezes me socorre.
Vencer os desenganos, crer na foz,
E ter a cada curva uma cascata
Que quanto mais feroz, mais arrebata,
Caminho outrora manso, agora atroz.
E ser além da simples cachoeira,
Imensa queda d’água em profusão,
Sabendo destes mares que virão,
Usando da esperança corriqueira.
Um manso arroio segue o seu caminho,
E às margens eu prossigo, em vão, sozinho...
11
“Sobre o ouro e o cetim geme e delira”
A sonhadora a quem amor se deu
E mesmo quando vê no fundo o breu,
Ainda ouvindo ao longe a mansa lira.
Escuto a sua voz e nela sinto
Ternura de quem tanto se fez bela,
Mas quando a realidade se revela
O amor antes gigante agora extinto
Não deixa sobrar pedra sobre pedra
E o que era acetinado se retalha,
Imenso fogaréu era de palha
E o coração em pânico ora medra.
Aurífero caminho do Eldorado,
Jogado em algum canto, abandonado...
12
“Nem dos cuidados ao cruento assalto”
Percebo algum simples reação
Trancada da esperança este portão,
O velho caminheiro segue incauto.
Atravessando pontes, segue em frente
E vê que tudo fora mero sonho.
E quando outra vereda até proponho,
Vazio novamente se pressente.
Audaciosamente nada vê
Quem tanto se pergunta e mesmo luta,
E quando a sorte audaz se faz astuta
Algozes tão somente e sem por que.
Pudesse ter nas mãos o meu futuro
Teria tudo aquilo que procuro.
13
“Não desperta alta noite em sobressalto”
Quem sabe sossegada a sua vida,
Mas quando se prepara a despedida,
O mundo se expressando ora em ressalto.
Escuto ao longe a voz de quem desejo
E sei quanto difícil tal distância
Sem nada que talvez ainda alcance-a
Dos sonhos meramente algum lampejo.
Pudesse ser feliz, ah Quem me dera!
Viver cada momento sem limites,
Mas sei que neste amor não acredites,
Não pode florescer sem primavera...
E quando te percebo junto a mim,
A história se aproxima do seu fim...
14
“A queixa amarga e o clamoroso brado”
Somente o que inda trago vivo em mim,
Lembrando do passado de onde vim,
O tempo tantas vezes destroçado.
Pudesse acreditar num amanhã,
Mas como se não tenho mais nos olhos
Senão imensidão feita em abrolhos,
Colheita em meu canteiro fora vã.
Anseio novos dias, mas bem sei
Que o vento benfazejo não retorna,
Não quero brisa frágil, nem a morna
Manhã que ora tão longe eu encontrei.
Fulgores não percebo, mas prossigo,
Na busca de talvez um raro abrigo...
15
“Nem das vítimas ouve da injustiça”
A voz incessante e traiçoeira,
Aonde amor podia ser bandeira
Apenas dá vazão à vã cobiça.
Quisera ter nas mãos a solução
Que tanto procurara e não sabia,
Enquanto a vida passa amara e fria,
Jamais se percebendo algum verão.
Esqueço dos meus erros quanto tenho
Nos braços este amor que me redime,
A solidão parace um triste crime,
E nela se perdendo todo o empenho.
Acato os dissabores, mas além
Vislumbro um sol imenso que já vem...
16
“Combates não planeja em vasta liça”
Quem tenta ser feliz e traz nas mãos
As alegrias como fossem grãos
Embora a terra seja movediça.
Viver o amor insano e ter certeza
Do quanto é necessária a luta imensa,
E quando num prazer, a recompensa,
Explode nos meus olhos tal beleza.
Ourives da palavra, quem me dera
Concretizar os sonhos que versejo
Gravando em meu olhar este azulejo
Presente no vigor da primavera.
Ouvisse a voz do vento me clamando
Num tom sempre suave, doce e brando...
17
“De prantos nem de sangue está manchado”
O coração em plena falsidade
Por mais que a dor ainda chegue e invade,
Caminho com certeza já traçado.
Há muito que procuro alguma imagem
Que possa traduzir o quão perverso
O mundo em que me encontra agora imerso,
Felicidade é, pois uma miragem.
Sacrossanto direito de sonhar
E ter dos sonhos luzes mais presentes,
Mas quando me percebo em penitentes
Momentos me esquecendo do luar,
O pranto que derramas, nada diz,
Do amor que tanto quis, nem cicatriz...
18
“Ama o trabalho, e o módico salário”
Quem tanto desejara e nada tendo
Sequer um sonho bom, quase estupendo,
Num viver sem destino e temerário.
Pudesse ter ao menos o carinho
De quem já desejei e não me quis,
Eternamente sigo, um aprendiz,
Deveras cada dia mais sozinho.
Pudesse crer na luz de um belo sol
Que ainda se tornasse mais presente,
E quando o fim da tarde se pressente
Nem mesmo a lua surge qual farol.
Percebo quão escura minha noite,
Sem ter sequer carinho que me acoite...
19
“Oh! Ditoso mil vezes o operário”
Que tantas vezes luta e pouco tem,
Assim também seguindo sem ninguém,
Destino em minhas mãos, vão, procelário.
Angustiadamente vejo o dia
Ressurgindo das sombras do passado
E quando me percebo abandonado
Somente uma ilusão atroz me guia
Levando para os vales mais profundos,
E neles não encontro algum tesouro,
O barco sem saber ancoradouro,
Vagando sem destino, ganha os mundos
E perde a direção, naufrágio é certo,
Assim como o meu peito vai deserto...
20
“Prendem-o cego aos cálculos dos maus”
Impedindo esta luz que ainda guie
E sem ter nada mais que fantasie
Distantes de algum cais, prosseguem naus.
Espero pela chance de poder
Viver a paz que tanto desejara,
A noite não se fez jamais tão clara,
Somente se percebe escurecer.
Esgarçam-se esperanças, nada levo,
Sementes espalhadas, solo agreste,
E quando tanto amor tu não me deste,
Num deserto terrível cismo e cevo.
Perdendo desde sempre esta alegria,
O que resta no peito: uma agonia...
21
“Ame embora a verdade, ocultos laços”
Jamais desenovelam o futuro,
E quando alguma luz em vão procuro,
Os dias se demonstram bem mais lassos.
Perenes ilusões inda carrego
E delas faço o mote preferido,
Por mais que nada trague, duro olvido,
Persisto caminhante mesmo cego.
Andanças por estrelas e cometas,
Espaços siderais, noites de frio.
E tudo quanto mais eu desafio,
Distante dos meus braços te arremetas.
Fugidias manhãs, sóis inconstantes,
Não tenho qualquer luz nem por instantes...
22
“São sempre incertos do reinante os passos”
Assim como no amor a previsão
Se torna tão complexa direção
Mudando a cada dia velhos passos,
E sei que não podendo ter nas mãos
Timão que me garanta a travessia,
A cada temporal transmudaria
Destinos verdadeiros, falsos, vãos...
Descrevo com terror e paz imensa
Instáveis trilhos quando enamorado,
E o vento destruindo o meu passado,
Às vezes me sonega a recompensa.
Reinando sobre todos os sentidos,
Um déspota não dá sequer ouvidos...
23
“No tapete macio dos degraus”
Escadaria feita em esperança
Ao nada muitas vezes já nos lança
Distanto de algum cais, diversas naus.
E sendo sempre assim, tão inconstante
Amor não poderia nos trazer
Certeza dum risonho amanhecer
Tampouco se transporta em luz brilhante.
Esplêndida emoção em luz escassa,
Sombria tempestade em copo d’água
Num oceano imenso já deságua,
Porém de uma nascente já não passa.
E tal disparidade me atordoa,
Do enome transatlântico, à canoa...
24
“Boceja e o corpo sensual estira”
Enlanguescida deusa feita em glória,
Ao mesmo tempo a luz, já merencória
O que tanto trouxesse me retira.
Fulgura fátuo brilho tão fugaz
Aonde se quisesse mais perene,
Por mais que muitas vezes me serene
A paz já não concebe ou satisfaz.
Esdrúxulos caminhos dita amor,
Perpétuas ilusões em vagos motes,
E quando muito além ainda notes,
Percebes todo o rumo decompor.
Perceba nesta imagem vários tons,
Terríveis, muitas vezes sendo bons.
25
“Sob os dosséis dos sólios a mentira”
Entorpecendo uma alma sonhadora,
E quanto se aproxima há tanto fora
Do todo não restando sequer tira.
Perceba a luz que emana-se do olhar
Daquele que se deu em franco sonho,
E quando este momento é mais tristonho,
Começa tudo mesmo a desabar.
Fagulhas irradiam-se de quem
Pudesse ter mais forte esta esperança,
Mas quando a realidade vem e alcança
O nada, simples nada, me contém.
Assisto ao meu final de camarote,
Sem ter sequer quem veja ou mesmo note...
26
“Vigorosa estender-se como a vinha”
Tomando esta seara mais fecunda,
Por mais que em luz imensa se aprofunda,
O amor pouca valia inda continha.
Esqueça os desenganos, siga em frente
E pense no amanhã como se fosse
Além de algum momento que agridoce
Permite que a vontade ainda enfrente.
Derrames de carinhos e de tédio,
O amor já não conhece mais remédio
Assim remediado sempre está.
E tudo o que querias no passado,
Ao ver no olhar deveras bem amada,
Decerto novamente brilhará.
27
“E vê, feliz, a prole junto aos lares”
Invejando outra sorte que não sua,
Uma alma tão soberba continua
Distante dos jardins, e sem pomares.
Estranhos dias, noites sem ninguém
Audaciosamente quero a luz
E sei quanto a verdade já traduz
O desamor que agora me contém.
Seguisse calmamente um passo manso
Na busca por momentos mais felizes,
Porém são tantas quedas e deslizes
Que o claro amanhecer já não alcanço.
Afiançando assim a solidão,
Matando em frio imenso o meu verão...
28
“Dorme sem medo, acorda sem pesares,”
Quem sabe dos anseios de um amor
E nele se completa com louvor,
Fazendo da alegria seus altares.
Percorro a mesma estrada há tanto tempo
E nada além da curva, só tempestas,
E quando imaginara ver as frestas
Apenas encontrara contratempo.
Mesquinhos e medonhos os meus dias
Alheio aos mais sobejos sentimentos,
Somando tão somente os sofrimentos,
Aonde quis a paz, só heresias.
Vestindo esta ilusão, um andarilho
Vagando pelo nada, o medo eu trilho...
29
“E a vereda conhece onde caminha;”
Por mais que possa crer noutro momento,
E quando após a chuva busco alento,
Somente a solidão inda convinha.
Espinhos tão comuns na longa estrada
As rosas espalhadas pelo chão,
Estrelas já percebo não virão,
A noite escura adentra a madrugada
E o peso do cansaço em minhas costas,
Solitário, nos bares inda vejo,
Aquém do mais complexo relampejo,
A vida retalhada em frias postas.
E bêbado encontro no vazio,
O que pensara outrora fosse estio...
30
“Tem segura a cabeça sobre os ombros,”
Quem pensa e repensando o seu futuro
Já sabe quanto pode se escuro
Caminho que inda leve aos vãos escombros.
Negar esta verdade é ter no olhar
Vazias esperanças e ilusões,
E quando todo o fato tu me expões,
Só resta sem defesas mergulhar.
Sabendo da terrível tempestade
E quando necessário ter um barco,
O amor podendo ser deveras parco,
Traçando o desespero que me invade.
Sedento de esperança, nada vem,
Somente o mesmo fim, alheio e aquém...
31
“Quem não aspira da grandeza aos combros”
Jamais conquistará qualquer espaço,
Assim se pela vida, ainda passo,
Olhando bem por cima dos meus ombros
Percebo quão diversa a mesma estrada,
Espalham-se floradas e granizos,
Os passos quanto mais forem precisos,
Maior a garantia assegurada.
E resta ao sonhador um novo fato
Após a derrocada, uma esperança,
Caminho tão diverso que ora trança
Prepara no final o desacato.
Esquivo-me das neves, bebo o sol,
Mas como se não tenho em ti, farol?
32
“Livre de enganos e visões escuras”
Caminho pelas noites, bar em bar
Beijando cada raio do luar
Aonde encotro a paz, diversas curas,
Arranco do meu peito a solidão
E vejo a cada esquina nova luz,
Aonde o meu amor se reproduz
Explode sem juízo o coração.
Escapo dos medonhos temporais
E bebo cada gota deste orvalho,
E quando mais ausente mais me espalho
Vagando por imensos, raros cais.
Assim eu permaneço um sonhador
Nas ânsias delicadas de um amor...
33
“Floresce o riso e o júbilo se abriga,”
Nas horas mais fecundas e felizes,
Aonde muitas vezes os deslizes
Encontram quem acolha e até abriga.
Não posso descuidar da caminhada
Em flóreas emoções, a poesia,
E nela novo mundo que se cria
Depois da dor imensa desnudada.
Cortejos de insólita beleza,
Vislumbro neste raro amanhecer,
E tendo esta certeza de prazer,
Seguindo mansamente a correnteza.
Ligeiras nuvens passam pelo céu,
Porém o sol imenso rasga o véu...
34
“De calma consciência à sombra amiga”
Já não mais caberia outro momento,
Senão este que bebo e me apascento,
Por mais que a fantasia me persiga.
Esqueço os dissabores mais venais,
E tendo nos meus olhos farto brilho,
Olhando para ti me maravilho
E sei que a solidão não volta mais.
Meu verso se tornando bem suave,
Não deixa a tempestade me domar,
Ao longe iluminando, luz solar,
Sem ter qualquer temor que ainda agrave
Estreito nos meus braços teu carinho,
No colo de quem quero, já me aninho...
35
“Mais encantos encerra e mais doçuras, “
Quem tanto se concede amor imenso,
E quando nos teus braços inda penso
Depois de vários anos de procuras
Estreito esta alegria de saber
O quadro que se tece em luzes fartas,
Dos sonhos só te peço, não te apartas,
Pois deles reconheço o meu querer.
Ardentes emoções, noites de gala,
As bocas se tocando, loucamente,
Assim manhã sobeja se pressente
E a dor já não concebe, e já se cala.
Predigo então real felicidade
Enquanto o amor intenso agora invade...
36
“Triste vaidade! O alvergue de um colono”
Não caberia os sonhos de um valete
Que tanto por amor inda compete,
Mas sabe no final, um abandono.
Resisto aos meus anseios e te peço
Vencido o meu temor, nada mais quero
Senão viver o amor, raro e sincero
E a cada novo dia recomeço
Vagando nesta busca que, inerente,
Já traz ao sonhador uma esperança,
E quando a dor do não ainda avança
O fogo do desejo é mais ardente.
Pressinto finalmente alguma luz,
À qual esta esperança me conduz...
37
“Que vale a pompa e o resplendor do trono”
A quem se fez vassalo deste sonho,
E quando o meu caminho em ti reponho,
Ausente dos meus olhos medo e sono.
Esqueço os dissabores, sigo em paz,
E teimo contra a força da maré,
Rompendo dos meus pés esta galé
Sentindo-me deveras mais capaz.
Do quanto te queria e não podia
Viver felicidade num segundo,
E agora deste amor eu já me inundo
E bebo com vigor a fantasia,
Sabendo que deveras tanto errei,
Mas posso, nos teus braços, ser um rei.
MARCOS LOURES