. façam de conta que eu não estive cá .
certamente sabes da minha loucura, da longevidade do que sinto, da penumbra do que espero, do nevoeiro, da cidade inteira, dentro ou fora. sabes. e sabes decerto que já não acredito em quem não é e que as coisas são tantas e tão perto que já não me distancio quanto devia. há pessoas que se comem e se maltratam, outras que se fogem e se vivem, muitas que se embelezam com palavras e ficam. sabes também em que pessoas me sou, que fundo o coração bate por ser poema e poema é ser antes e escrever depois, morrer para nascer. sabes. andei por lugares tempo demais, para saber reconhecer quem esconde e quem reconhece, para compreender de que lado da vida se matam os silêncios e adivinhar os gestos. tenho um esconderijo, longe, onde encontro os rostos que me fizeram, onde me encontro e antes perder-me aí, antes perder-me aí do que encontrar-me nestes lugares. sabes da quantidade de bichos que eu compreendo, do que fazem às vísceras, do que perco ao alimentá-los. não mais hei-de esperar que me chamem ou me aguardem os regressos. a espera é cíclica como a monção e a tempestade, como as estações. e os sentimentos também. um dia hei-de tornar credível o mundo, alimentar as árvores com gritos e suar terra, depois quem sabe não sejam só dois ou três os que acreditam em mim.