SONETO BÁSICO
FANATISMO – FLORBELA ESPANCA
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!"
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“Que tu és como Deus: Princípio e Fim,"
E tomas minha vida em tuas mãos,
Os dias sem te ter; concebo vãos
O mundo desabando dentro em mim.
Percorro noites frias, sem ninguém
Vagando na procura por quem tanto
Mostrando a fantasia em raro encanto,
Buscando inutilmente, nada vem...
Somente o frio intenso, madrugada,
E nela se percebe este granizo,
Diverso do que quero e que preciso,
Depois de tanto amar, não resta nada,
E o quanto te desejo, como um Deus,
Deixando em cicatriz a dor do adeus...
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Deixando em cicatriz a dor do adeus
Não pude imaginar outra saída
A sorte temerária sendo urdida
Vazio dominando os rumos meus...
Percebo quão doridos os meus dias
Na ausência de quem tanto desejei,
O amor que poderia ser a lei
Diversa realidade, tu me guias.
Apelos, brados, lágrimas não bastam,
Os dias são idênticos, banais,
Felicidade dita o nunca mais,
As trevas mesmo em sol frias contrastam.
E assim sem ter na vida algum prazer
“Meus olhos andam cegos de te ver!”
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“Meus olhos andam cegos de te ver!”
Ainda que pudesse ter a sorte
Do amor em luz imensa que conforte
Não poderia o brilho perceber.
Cansada de tentar seguir meu rumo,
Perdida, alucinada em vagas tantas,
E quanto mais terrível, desencantas
Maior o meu amor isso eu assumo.
Aonde te encontrar amado meu,
Se tudo não passou de fantasia?
Sonhando com o sol em noite fria,
Meu mundo há tanto tempo escureceu
Nos sonhos caminhamos sem os nãos
E tomas minha vida em tuas mãos.
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E tomas minha vida em tuas mãos.
Devastações imensas, tempestades,
E quando me dominas, tanto invades
Deixando tantos rastros, dias vãos
E neles a esperança se transforma,
O medo me fascina e me seduz,
Qual fosse uma falena em plena luz
Amor já não respeita qualquer norma
E furiosamente enamorada
Bebendo do fulgor que tu me trazes
Momentos de delírio mais audazes,
Tomando a cada dia mais a estrada
E nela minto às vezes ao dizer:
‘Não és sequer razão do meu viver”.
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‘Não és sequer razão do meu viver”.
Além da minha vida, eternidade.
Por mais que volte enfim à realidade,
Sem teu amor não posso nada ver
Além do mar azul, deste oceano,
Vivendo etéreo sonho: ser feliz,
Imensidade em tu tudo me diz,
Amor suprema luz, dom soberano.
Escravizada uma alma se acorrenta
E abençoando assim esta prisão,
No encanto muito além da sedução,
A força da paixão tão violenta
Tu és das esperanças, nobres grãos
Os dias sem te ter; concebo vãos
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Os dias sem te ter; concebo vãos
Vazias esperanças, nada além
Do quanto sobrevivo sem alguém
Repetem-se deveras tantos nãos.
Não deixe que esta história chegue ao fim,
Não quero e nem consigo perceber
O que será, Meu Deus, do meu viver
Se tudo terminasse o que há de mim?
Apenas respirar e nada mais,
A morte então seria a redenção
Vazio e sem destino coração
Exposto aos mais terríveis vendavais.
Sem rumo uma alma solta, vã, perdida
“Pois que tu és já toda a minha vida!”
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“Pois que tu és já toda a minha vida”
Não posso mais negar o quanto quero
O verso se mostrando mais sincero
Uma alma solitária está perdida.
Revejo cada toque, louca espera,
Delírios de uma amante sonhadora,
Por onde, em que caminho ainda fora
Quem tanto refloriu a primavera
Depois do duro inverno que passara,
Apenas entre trevas, breus e medo,
Ao grande amor então se me concedo,
A vida se tornando bem mais clara
Porém se houvesse seca em meu jardim,
O mundo desabando dentro em mim.
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O mundo desabando dentro em mim
Se tudo o que sonhei fosse mentira,
Minha alma sem defesa em ti se atira
E traz toda a ternura, sendo assim
Não posso imaginar nova quimera,
Nem mesmo me entregar a um novo amor,
A solidão com todo o seu furor
Sanguínea tempestade feita em fera.
Ao caos direcionando a caminhada,
Nefastas emoções, insânia vil,
Terrível pesadelo o que se viu,
Tomando toda minha madrugada
É como me encontrasse sem saída,
“Não vejo nada assim enlouquecida...”
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“Não vejo nada assim enlouquecida...”
Vagando pelas noites, bar em bar
A sorte; não consigo deslumbrar
Perfaço a madrugada entorpecida.
Amarga penitência pra quem ama
Viver sem ter destino, ser vazia,
Bebendo tão somente a fantasia,
Matando pouco a pouco, o sonho e a chama,
O peito lacerado desta que
Durante a vida inteira quis teu colo,
E agora vou perdendo o chão, meu solo
Numa aridez terrível, já se vê.
Sabendo que o vazio me contém
Percorro noites frias, sem ninguém.
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Percorro noites frias, sem ninguém
E quando me percebo em dor imensa,
Ainda que pudesse a recompensa
Somente outro castigo sinto e vem.
Pudesse acreditar num amanhã
E nele o sol tomando este horizonte,
Mas quanto mais a vida desaponte
Maior esta esperança, tolo afã.
Não vejo nem sequer sombra de ti,
E os rastros que percebo nada dizem,
Por entre tais ladeiras já deslizem
Caminhos onde a sorte eu nunca vi,
Ensandecida o livro do sofrer
“Passo no mundo, meu Amor, a ler”.
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“Passo no mundo, meu Amor, a ler”
Enigmas que não posso decifrar,
Aonde se escondeu nosso luar
Que nada nem um rastro posso ver?
Perdida, tão somente eu adivinho
O quanto é necessário ser feliz,
Se a vida com terror tudo desdiz,
Sem rumo desvendando este caminho
Que traz a cada passo, um pedregulho,
E nele se resume minha história,
A sorte caprichosa e merencória
Deixando para além, mar e marulho.
Portanto canto amor em desencanto
Vagando na procura por quem tanto...
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Vagando na procura por quem tanto
Sonhei durante a vida, rumo e cais,
E enfrento tempestades, vendavais
Colhendo no final somente o pranto.
Esqueço dos meus dias, sigo só
E teimo navegar contra a maré,
A cada novo passo outra galé
Do sonho só restando, amargo pó.
Não pude decifrar os teus segredos,
E assim sem ter a chave, vou sozinha,
Somente a solidão inda se aninha
Aonde quis ternura em vãos enredos.
Pudesse aprender cedo logo a ler
“No misterioso livro do teu ser.”
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“No misterioso livro do teu ser”
Jamais conseguiria ter nas mãos
Além dos costumeiros, tristes nãos,
Alguma forma nobre de prazer.
Não sei se ainda resta a luz e o brilho
Do todo que pensara ser só meu,
Se tudo em minha vida escureceu
E apenas o vazio ainda trilho,
Não quero outro caminho senão este
Aonde poderei ter teu carinho,
Cansado deste mundo vão sozinho,
Depois que outro desejo concebeste
Somente uma ilusão ainda canto
Mostrando a fantasia em raro encanto.
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Mostrando a fantasia em raro encanto
O Amor abençoando e maltratando
Quimera se fazendo em ar mais brando,
O riso se transforma em dor e pranto.
Matiza-se deveras minha senda
Nas luzes e nas trevas que me trazes,
Mudando com freqüência tantas fazes,
Segredo deste todo não desvenda
Uma alma sonhadora em tal mosaico
Perdendo qualquer nexo, prismas vários
Enquanto radiantes temerários
Enquanto renovasse, mais arcaico
Porém durante a noite em ti perdida:
“A mesma história tantas vezes lida”...
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“A mesma história tantas vezes lida”
E mesmo assim inédita pra mim,
O amor que se tornou princípio e fim,
Enquanto me alivia, tudo acida.
O gosto da melífera esperança
Durante a tempestade modifica,
E quanto mais feroz, mais mortifica
Quebrando com a vida uma aliança.
Estranhos pesadelos, noite turva,
A cada passo vejo outro problema,
E quando ao grande amor o sonho algema
Minha alma se perdendo, leda, curva
Vagando na procura deste alguém
Buscando inutilmente, nada vem...
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Buscando inutilmente, nada vem
E quando me percebo solitária
A sorte tantas vezes necessária
Do sonho permanece muito aquém.
Cadenciando o passo rumo ao fim,
Vestígios não deixando nesta estrada,
Herdando do vazio o imenso nada,
Retorno ao descaminho de onde vim,
Pudesse pelo menos ter a chance
De ver sob meus olhos a ternura,
Que tantas vezes quis, leda procura,
E nela finalmente em paz, descanse...
Mas quando me reparo qual fumaça
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
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"Tudo no mundo é frágil, tudo passa",
Somente o sofrimento não me deixa,
Vivenciando a dor, terrível queixa
A sorte se mostrando tão escassa...
Fingindo vez em quando algum momento
Aonde poderia ser melhor,
Porém a minha história sei de cor,
Traduz eterna dor e sofrimento.
Perceba meu amado, quanto dói
Saber que estás aqui e não estás,
Presença tão bendita quão mordaz,
Aos poucos esperança se corrói
A noite num luar tão impreciso
E nela se percebe este granizo.
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E nela se percebe este granizo,
Numa alma delicada enquanto pena,
A sorte poderia ser amena,
Diversa do que agora em vão, diviso.
O beijo deste amado vive ainda
No peito de quem tanto desejou,
O mundo de repente, desabou,
Somente a solidão já se deslinda.
Vencer os meus anseios, ser feliz...
Quem dera, mas não posso e sigo alheia,
Apenas a saudade me incendeia
Realidade chega e contradiz.
“Tu és bonita”, e a sorte leda traça,
“Quando me dizem isto, toda a graça...”
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“Quando me dizem isto, toda a graça”
Perdendo algum sentido e sem noção,
O mundo se mostrando sempre em vão,
Apenas tempestade então já grassa,
“Tu tens no teu olhar imenso brilho”
Quem dera ele mostrasse então minha alma,
Mas quando se percebe com mais calma,
Das lágrimas, reflexo do que trilho.
Mesquinhas ilusões povoam sonho,
E tudo não passando do vazio,
No verso aonde o mundo já desfio
Percebo este retrato tão medonho
E nele concebendo um triste aviso
Diverso do que quero e que preciso.
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Diverso do que quero e que preciso
Um áspero caminho é o que me espera
E nele a solidão, terrível fera
Estraçalhando o solo aonde piso.
Das farpas, dos espinhos que espalhaste
Negando a minha sorte benfazeja,
Por mais que novo tempo se preveja,
Somente acumulando este desgaste,
As cordas arrebento e nada tenho,
O medo transfigura o meu olhar,
Cansada deste inútil procurar
Já não valeu à pena tanto empenho.
E o resto que percebo, ledo fim
“Duma boca divina fala em mim!”
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“Duma boca divina fala em mim”
As ânsias de quem tanto desejou
E nada se mostrando aonde vou,
Ausência de alegria em meu jardim.
Mortalha da esperança sou aquela
Que tanto se entregou e nada tendo,
Queria algum momento que estupendo,
A solidão impede e não revela.
E quando mal percebo já me calo,
Não tendo mais sequer o que dizer,
Pudesse no final só perceber
De uma alegria tola, algum regalo.
Titubeando em turva madrugada
Depois de tanto amar, não resta nada.
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Depois de tanto amar, não resta nada
Nem mesmo algum momento de alegria,
Sem ter sequer estrela que me guia
Escura e em trevas feita madrugada
Pudesse acreditar no amanhecer
Em raros claros sóis maravilhosos,
Os dias são deveras caprichosos
Somente uma neblina, pude ver.
Pegadas do que amei em lua cheia,
Não vejo nem tampouco alguém me diz,
O olhar se mostra triste e a cicatriz
Deveras retornando me incendeia.
O mundo se perdendo sem seus lastros
“E, olhos postos em ti, digo de rastros.”
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“E, olhos postos em ti, digo de rastros”
Perdidos nos meus vários descaminhos,
Aonde poderia sem carinhos
Viver sem ter decerto, em ti, meus mastros.
Meu barco navegando sem destino,
Ancoradouro ausente e morto o cais,
Apenas enfrentando temporais,
E neles solitária me alucino...
Penetro nas entranhas do vazio,
A cada dia eu vejo em minha frente
O olhar tempestuoso em que se sente
Amarga solidão que desafio
Pudesse ouvir ao menos, prantos meus
E o quanto te desejo, como um Deus.
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E o quanto te desejo, como um Deus.
Não pude sufocar esta vontade
Imensa sensação de dor invade,
Olhando para trás, momentos teus
Aonde junto a mim tu caminhavas
Constelações divinas, mil estrelas,
E agora não consigo nem mais vê-las,
Somente a cada passo, novas travas.
O jeito é prosseguir sabendo o quanto
O amor em luzes fartas conheci,
Beleza incomparável que há em ti.
E quanto mais distante, mais eu canto
Sabendo que estes cantos nos teus rastros
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros”
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"Ah! Podem voar mundos, morrer astros”
Os desejos que tu sabes muito bem
Traduzem tanto amor que amor contém,
E nele as ilusões são falsos mastros.
Ausente de meus olhos, o teu brilho,
Mascaram-se vontades com promessas
E quando noutros rumos tu tropeças
Diverso deste mar aonde eu trilho
Buscando inutilmente te encontrar,
Na lassidão imensa do não ter,
Vivenciando a fúria em desprazer
Na insânia de temer, mas procurar
E quando me percebo invado breus
Deixando em cicatriz a dor do adeus...
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Deixando em cicatriz a dor do adeus
Deveras poderia crer que um dia
A sorte de repente mudaria,
Sanando os sofrimentos, todos meus.
Cansada de lutar inutilmente
Traduzo num soneto este não ser
E nele mergulhando em desprazer
A sanha de quem sonha não desmente...
Vivesse pelo menos um momento
Aonde com teus lábios possa em paz
Saber do Amor que a vida ainda traz
E nele tão somente encontro alento.
Podendo então bradar, quem sabe enfim:
“Que tu és como um Deus: Princípio e fim!”
De Praia para o mundo lusófono
VALMAR LOUMANN