Guanambi, 21 de setembro de 2000
Hoje, quando saímos do colégio, Antonio veio falar comigo. Ele é um garoto muito bonito. Na verdade, o mais bonito de todos os alunos. Nossa! Fiquei arrepiada quando ele disse “Oi!” e sorriu. Só de pensar, meu coração acelera, fico nas nuvens.
Ele queria me convidar pra irmos a uma festa amanhã. Um aniversário do primo dele que estuda numa sala ao lado da minha. Já a sala de Antonio é mais afastada. Eu disse a ele que iria se meus pais deixassem. Meus pais me deixaram ir. Estou que não me agüento de ansiedade...
Nem sei mais o que aconteceu hoje. Acho que nada mais de importante. Ah! Antonio, meu amor! Vou ter que ir agora. Espero ter ótimas notícias para contar depois.
(...)
Guanambi, 23 de setembro de 2000
Tenho ótimas notícias. Ontem foi um dia maravilhoso. Esta foi mesmo uma festa inesquecível. Eu e Antonio ficamos juntos a noite inteira. Ele me beijou tanto! Foi tão bom que acabamos fazendo amor. Minha primeira vez. Estou pulando de alegria.
Ele sempre gostou de mim, mas tinha medo de que eu o rejeitasse. Imagine! Rejeitar um príncipe daquele! O mais bonito da escola, além de ser legal, inteligente, tudo de bom.
Se me perguntarem quem estava na festa, nem vou responder. Meus olhos eram todos para meu Antonio.
(...)
Guanambi, 1º de novembro de 2000
Não tenho boas notícias. Estou grávida. Tenho somente dezesseis anos, puxa! Eu não tive culpa! Meus pais estão uma fera comigo. Ficaram me chamando de responsável, que traí a confiança deles, bla´, blá, blá...
Antonio mudou muito. Está querendo distância de mim.
Já não tenho ânimo pra nada. Minhas notas têm caído. Acho até que vou ficar para recuperação em algumas matérias.
Levando em consideração que tenho direito sobre meu corpo, que não planejei engravidar, que sou muito nova e que meus pais estão decepcionados comigo, não vejo mal em abortar. É direito meu, não é? A igreja fica pregando contra, mas há tantos padres que comentem pecados bem feios.
Esta vai ser mais uma noite que passarei sem conseguir dormir.
(...)
Guanambi, 4 de novembro de 2000
O aborto foi realizado. Tudo ocorreu normalmente. Meus pais estão conformados. Estou muito bem, Agora eu posso voltar a levar uma vida normal. Vou estudar bastante para recuperar minhas notas. Quero passar de ano e me esquecer de Antonio.
Estou pensando em parar de escrever aqui. Pode ser até que eu volte a preencher estas linhas que sempre foram melhores confidentes que minhas amigas. Há coisas que nem conto pra elas. Por exemplo, não contei que estava grávida.
Vida nova a partir de hoje.
(...)
Guanambi, 14 de junho de 2003
Resolvi voltar a escrever... Hoje foi aniversário do filho caçula de Marília, minha prima. Dois aninhos. É a coisinha mais linda!
Eu senti uma dor batendo no meu peito. Uma dor muito grande. Um vazio imenso dentro de mim. Estou me sentindo agora, bem pequena. Minha criança não está comigo. Se pudesse voltar atrás, eu teria tido meu filho. Teria enfrentado tudo por ele. Nem sei se seria menino ou menina.
Ainda que eu tenha dez filhos, nunca vou me esquecer do meu bebê que não nasceu nem de que ele não teve uma morte digna. Nada vai conseguir apagar essa angústia de mim. Nada me fará esquecer da minha criancinha. Nada!
Observação: Esta é uma história fictícia. Qualquer semelhança com nomes, lugares e fatos é apenas coincidência.
(Luciene Lima Prado)
"Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia." (Salmo 139, 16)
"Aquele que me formou no ventre não o fez também a ele? Ou não nos formou do mesmo modo na madre?" (Jó 31, 15)
"Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta." (Jeremias 1, 5)
"Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela sua graça." (Gálatas 1, 15)
"Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti." (Isaías 49, 15)
Re: O DIÁRIO DE RENATA
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