Poemas : 

ESPIRAL DE SONETOS DESILUSÃO PARTE FINAL

 



128

E não me deixa mais pensar em nada
O anseio de um momento aonde eu possa
Ressurgir da terrível, funda fossa
Há tanto pela vida demonstrada.

Endosso os meus caminhos com ternura,
Mas nada disso traz felicidade,
Morrendo solitária, na saudade
O fim de uma esperança. A dor perdura.

O peso desta vida me vergando,
O corte se aprofunda em vaga escara
Chagásica ilusão já se escancara,
Enquanto os dias turvos se mostrando.

O corpo segue lasso nesta grei
Vencida após batalhas que travei.

129

Vencida após batalhas que travei
Não posso imaginar outro momento,
Tomada pelo imenso sofrimento,
Diverso do prazer que imaginei,

Espero qualquer dia mais tranqüilo
E nele as emoções serão maiores,
Porém sem ter nas mãos dias melhores
Sozinha em noite amarga e vã; desfilo.

O passo se retém quando se vê
Alguma luz embora mais sombria,
E quando vejo ao fundo a estrela guia
Procuro pelos raios. Mas cadê?

E nada da alegria ainda avisa
Senão este vazio que eterniza.


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Senão este vazio que eterniza
Propaga-se entre as trevas mais ferozes,
E quando se procuram tuas vozes,
A sorte vai levando em fria brisa.

O quadro se deslinda sempre assim,
Caricaturas ditam o não ser,
E tendo a cada passo o desprazer
A história com certeza não tem fim.

E quando me imagino mais feliz,
Na lábia de outro alguém que me fascina
Esgota-se em vazio nova mina,
E o tempo todo o sonho contradiz...

Olhando neste espelho me atormento,
Saudade dominando o pensamento.


131

Saudade dominando o pensamento
De quem se desejou feliz, há tempos
E agora ao enfrentar tais contratempos
Percebe tão somente este tormento.

Mesquinhos os caminhos de um amor
Que se promete tanto e não diz nada,
Ainda posso crer numa alvorada
Perfeita em raro brilho, em mais fulgor?

Sementes abortadas, ledo chão,
O gosto desta boca não percebo,
E tudo o que deveras inda bebo
Transmite a mais dorida sensação,

Pudesse nesta noite me perder
Buscando a qualquer custo algum prazer...

132

Buscando a qualquer custo algum prazer
Não vejo mais saída e me inebrio,
O coração se expondo qual vadio
Amortalhado sonho passo a ter.

Entrego-me sem ter qualquer pergunta,
E nesta sensação de tolo gozo,
O mundo se mostrando desairoso
E sobre este vazio não assunta.

Ocaso tão somente e nada mais,
Assim eu me sentindo sempre usada,
Na lama do viver já mergulhada,
Momentos na verdade tão banais

Trazendo invés de luz, felicidade,
No olhar toda a tristeza que degrade.

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No olhar toda a tristeza que degrade
Expondo a realidade mais cruel,
Aonde amor traduz delírio e fel,
Jamais se conheceu tranqüilidade.

A par dos desenganos a menina
Não vê mais esperança de outro dia.
E quando a cada passo fantasia,
Apenas a verdade inda domina

E nela os meus olhos lacrimados
Traduzem o vazio do não ter
E nele refletido o desprazer
Os sonhos sei que estão abandonados.

Quisera, pelo menos por instantes
Momentos de prazer tão deslumbrantes...


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Momentos de prazer tão deslumbrantes
Ainda que possíveis, não mais vejo.
E quando se transforma em vão desejo,
Os dias que virão são torturantes.

Acordo e não consigo vislumbrar
O sol que tantas vezes desejei,
Brumosa e tão etérea a minha grei,
Também não reconhece mais luar.

A sorte se atocaia, vil serpente
E neste bote traz o meu final.
Aonde se quisera bem, o mal
É tudo o que deveras já se sente

Distante dos meus dias mais serenos
Alçando tão somente tais venenos.


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Alçando tão somente tais venenos
Que tanto destilaste; bem amado.
O gosto do prazer e do pecado
Transforma em temporais ares amenos.

Mas quando me dou conta e só percebo
Irônica figura junto a mim,
O mundo se tomando pelo fim,
O olhar intolerante de um mancebo

Beijando minha pele em arrogância,
Qual fosse alguma forma de dizer
Que caridosamente deu prazer,
Num ato de total deselegância

E vejo neste olhar de tosca fera
Amortalhada enfim, a primavera.

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Amortalhada enfim, a primavera
Jamais proporciona em mim algum verão
E todos os meus dias mostrarão
A dor aonde a sorte destempera.

Peçonhas espalhadas dominando
Cenário que pensara benfazejo,
E quando o meu final, ora prevejo,
Sabendo desde sempre como e quando,

Vergastas vão lanhando a minha pele,
E o tempo se tornando contra mim,
Ainda teimo mesmo vendo o fim,
Abismo sem limites me compele.

E quem nos meus caminhos me mostrou
Levando a melhor parte; só. Deixou...

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Levando a melhor parte só deixou
Resquícios e os escombros que carrego,
O passo sempre trôpego vai cego
Dizendo na verdade o que ora sou.

Medonha garatuja; sobrevivo
Depois de temporais e noites vãs
Sem ter a perspectiva de amanhãs
Ainda tendo olhar bem mais altivo.

Esgoto-me em bebidas e mentiras,
Nefasta realidade me desdenha
Do amor sem saber códigos nem senha,
Restando do passado simples tiras,

Enquanto a vida marca e me maltrata
Não faço do meu verso uma bravata...


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Não faço do meu verso uma bravata
Tampouco vou me expor inutilmente
A imensa tempestade se pressente
Em noite tão vazia quanto ingrata.

Semeio nos canteiros a esperança,
Mas sei que não colhi sequer um pouco
Do tanto que quisera e me treslouco
Enquanto este vazio em nós se lança,

Mostrando a minha face mais audaz,
E nela se tempera uma ilusão
Diversa do que versos mostrarão
Traçando o que deveras satisfaz

Audaz não temo mais qualquer verdade
E rompo do passado a velha grade.


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E rompo do passado a velha grade
Depois de não viver tranquilamente
E quando este futuro se desmente
Desencanto onde se a sorte se degrade

Mesquinhos caminhares traduzidos
Em tolas emoções e nada mais
Do que diversos dias tão banais
Expostos aos delírios das libidos

Medonha fantasia caricata
E nele retratado este vazio
Por onde a cada passo, não desfio
Gerando desde sempre o que maltrata

Aonde se fizera uma porteira
O amor que imaginara já se esgueira.


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O amor que imaginara já se esgueira
Por entre tantas luzes de neon
E o mundo modifica o velho tom
Falsária sensação tão corriqueira

E teimo pelas ruas sem guarida,
Perpetuando o medo que me entranha,
Pudesse com a sorte em tal barganha
Saber o quanto o gozo ainda acida

Quem tanto se fizera quase louca
E agora ao discernir um novo rumo,
Os erros cometidos eu assumo
Certeza pouco a pouco já treslouca,

E como poderia em torpe estrada
Viver eternamente apaixonada?


141

Viver eternamente apaixonada?
Cansei de ter em mim o brilho falso
Que me trará no fim o cadafalso,
Depois de tanto crer, sobrando o nada.

Apenas nos meus olhos, lassidão,
E tudo vai passando sem sequer
Saber de uma alegria, e se puder,
Ainda poderia ver verão.

Mas tudo se repete em luz sombria,
O passo retardando o caminhar,
Amar e novamente tanto amar?
A casa pouco a pouco já ruía.

E assim de tanta dor que eu encontrei
Sozinha não procuro reino e rei.


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Sozinha não procuro reino e rei
Vestindo esta ilusão não caberia
Sequer pensar num tempo de alegria
Se tudo o que pensara, não herdei.

Acordos destruídos, falsos sonhos,
Momentos mais cruéis, somente enganos,
Aonde se pudesse crer em planos
Os dias são vorazes e tristonhos.

Perdendo a direção, sem um remanso
A timoneira afasta-se do cais
E sabe que somente em vendavais
O porto que desejo não alcanço.

Viver sem ter ar que suaviza
Buscando em tempestades pela brisa.

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Buscando em tempestades pela brisa,
Não poderia mesmo ter a chance
De ter além do quanto o olhar avance
Saudade maltratando, traumatiza.

E o peso do passado ainda trago,
E nele não consigo perceber
O quanto ainda tenho de prazer,
Se jamais encontrei em ti afago.

Pergunto por talvez quem possa dar
Notícias de quem foi pra nunca mais,
Os dias que sonhei fenomenais,
Eu sinto tão distantes deste olhar

E assim procuro ainda algum alento
Olhando para o enorme firmamento.


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Olhando para o enorme firmamento
Não vejo mais o brilho deste sol,
Brumosa realidade no arrebol,
E a cada amanhecer outro tormento.

Vivesse pelo menos a alegria
De ter nos meus momentos mais felizes
Além de simples cortes, cicatrizes,
E neles outro tempo então veria.

Acasos dominando a minha história
Perguntas sem respostas, sigo em frente.
O amor que na verdade sempre ausente
Só torna a fantasia merencória.

Invés de me trazer sobejos grãos,
A vida repetindo velhos nãos.

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A vida repetindo velhos nãos
Jamais me trouxe a luz que necessito
E o dia que pensara mais bonito,
Demonstra tantos sonhos cegos, vãos.

E neles o retrato desta que
Depois de tanto tempo não sabia
O quanto se perdera em agonia
Buscando a sua sombra, mas cadê?

O que me resta é simples: mesmo nada
Do qual se gera a morte a cada passo,
Nos braços de um qualquer já me desfaço
E vejo a noite em fúria deslavada.

Tomando o caminhar desta demente
A vida a cada passo mais me mente.


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A vida a cada passo mais me mente
E assim vou caminhando contra o vento,
Bebendo tão somente o sofrimento
Qual fora simplesmente uma descrente.

Atéia sem destino em noite escura,
Vivenciando apenas solidão,
Distante dos meus dias de verão,
Vazio dentro da alma me tortura...

Pusesse noutro mar o meu saveiro,
Vagando com a bússola do sonho,
Talvez o meu destino mais risonho
Além deste terror já corriqueiro

Porém este caminho mais singelo
Apenas nos meus sonhos eu revelo.

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Apenas nos meus sonhos eu revelo
O quanto me entregara ao teu carinho,
E agora no vazio em que me aninho
Ausente de meus olhos o castelo

Que tanto desenhei na mocidade,
Vencendo os meus temores e pudores
Seguia qual caminho aonde fores,
A vida tal desejo já degrade.

E o pêndulo oscilando sorte e dor,
Mesquinhas emoções, proporciona
E quando a realidade volta à tona
Somente se percebe este terror

Doente, sem remédio, prosseguir
Aonde se buscava um elixir.

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Aonde se buscava um elixir
Apenas ilusão que ainda trago
E nela se percebe tal estrago
Que tanto se mostrando faz sentir

O medo do caminho mais audaz,
E tendo esta visão conservadora,
Diversa do que outrora sempre fora,
Dos sonhos já não sou sequer capaz.

E tendo esta certeza do não ter
E vendo a cada dia desabar
A casa que pensei edificar
Nas ânsias dolorosas do prazer.

E a dor ora me inunda e tão imensa,
Nem mesmo a fantasia recompensa.

149


Nem mesmo a fantasia recompensa,
O amargo caminhar de uma mulher
Que tanto necessita quanto quer
A glória de um amor, sobeja e intensa.

Vestindo solitária alegoria
O medo se disfarça com palavras
E quando outra senzala ainda lavras
O peso em minhas costas se recria.

Amordaçada voz de uma esperança
Mesclando cardo e dor em dura senda,
O sonho na verdade não desvenda
Realidade tosca em que se lança

Mostrando num desenho destroçado
Um rosto pelo tempo amargurado.

150

Um rosto pelo tempo amargurado
Expõe a face amarga da pantera
Que tanto se perdeu em tola espera
Vivendo tão somente do passado.

Pudesse pelo menos ver na face
Retrato de um momento mais feliz,
Diverso do que tanto em vão eu quis
Realidade fútil inda embace.

Tornando a caminhada quase espúria
E nela tropeçando, sigo em frente,
Por mais que a tempestade se apascente
Restando tal figura de uma incúria.

Já não desejo enfim quem suaviza
Tampouco necessito desta brisa.

151


Tampouco necessito desta brisa
Que falsamente espalhas por meu ar
E nela poderia te encontrar
Se a vida de outra sanha não me avisa.

Descasos são comuns em quem não sabe
Do amor que tantas vezes se aprofunda
E tendo uma alma sórdida circunda
Vagando mesmo quando mais cabe

A solidão entranha-me deveras
E tendo a tempestade costumeira
Por mais que na verdade ainda queira
Exposta à vilania destas feras

Olhando para longe, na amplidão
Procuro novos dias que virão...


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Procuro novos dias que virão,
Tentando acreditar no amanhecer,
E tanto acostumada ao nada ter
Somente vejo a mesma negação.

E parto rumo ao vago no horizonte
Buscando cordilheiras e não tendo,
Momento aonde um sonha ora estupendo,
Porém realidade desaponte

Aquela que se fez inteira e tanto
Queria pelo menos ter a paz,
E quando nada chega e satisfaz
Sobrando para mim o desencanto

Estio se transforma em ritual
E a seca vai tomando o meu quintal.


153

E a seca vai tomando o meu quintal
Depois de procurar uma invernada,
E agora que não resta quase nada,
O dia sem ternura, é sempre igual.

A face desdenhosa da saudade
Tomando este cenário não permite
Que tenho sob o olhar outro limite
Senão tal demarcado pela grade.

Enquanto a fantasia se cerceia,
Apenas o terror chega e me engano
Vivendo este momento mais profano,
Bebendo da ilusão torpe, mas cheia

E sem ter quem sequer ainda guia
Procuro alguma carta de alforria


154

Procuro alguma carta de alforria
Embora saiba o quanto isto me custa,
A vida que queria mais augusta
Transcorre sem ternura em agonia.

Expondo em cada verso o que desejo
Apenas um momento de ternura,
Cansada de encontrar em vã procura
Somente vez em quando algum lampejo

Do todo necessário para quem
Adentra os seus castelos, falsos sonhos
Que mesmo sendo às vezes mais risonhos
Traduzem o que espera e nunca vem.

E assim sem ter caminho ou direção
As horas mais benditas não virão.

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As horas mais benditas não virão
E assim o tempo passa amargamente,
O sonho a cada dia mais desmente,
E nele tão somente a negação;

Pudesse ter no olhar esta alegria
Que tanto desejou a sonhadora,
E quando mais distante ainda fora
O mundo sem calor, noite sombria.

E tendo em cada olhar um brilho insano,
Vivendo da ilusão que não sacio,
O sonho se mostrando então vazio
Mudando a direção de cada plano

Pra quem se fez mulher e em tudo crendo
Felicidade nunca é dividendo.



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Felicidade nunca é dividendo
Somente maltrapilho coração
Espera sem caminho na amplidão
E os dias sem ninguém, vou percorrendo...

E o canto da esperança não escuto,
O Amor jamais se deu em luz intensa,
Sem ter sequer quem mesmo me convença
O olhar da fantasia sendo astuto

Transforma em desencanto o que em verdade
Maltrata muito além do nada ser.
E beijo com ternura o desprazer
Por mais que tanta dor já me degrade

Os olhos sem ninguém morrem vazios
Perdendo esta noção em frágeis fios.

157


Perdendo esta noção em frágeis fios
O quanto desejara ainda trago,
Por mais que ainda cause algum estrago
Não posso suportar tais desafios.

E o gosto tão amargo da vingança
Jamais combinaria com meu sonho
E quando novo dia em ti componho
A sorte sobre a mesa enfim se lança.

E todos os momentos são terríveis,
Ausente de teus braços; não sou nada
Pudesse reviver a caminhada
Levando aos mais supernos, altos níveis.

Depois que minha vida se perdeu
Aonde te encontrar, querido meu?

158


Aonde te encontrar, querido meu?
Ausente dos teus braços; nada sou
Meu mundo no vazio mergulhou
Felicidade há muito se esqueceu

E quando me recordo de outro tempo
Vivendo com total fascinação,
Eternizando em nós claro verão,
Ausente dos meus passos, contratempo.

Porém a vida trama novas sendas
E nelas minhas sanhas se denigrem
Distantes ilusões por onde migrem
Sequer tu me confessas ou desvendas

Lembrança do que outrora sempre quis
E o gosto de um momento mais feliz.

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E o gosto de um momento mais feliz
Ainda saboreio em noite clara,
Vivendo a fantasia que me aclara,
Mesmo se a realidade contradiz.

Pusesse meu saveiro em mar mais calmo,
Teria ancoradouro nos teus braços,
Mas quando se perderam nossos laços
Minha alma sem perdão em tolo salmo

Vagando pela noite, escuridão,
Toando esta canção que desalenta,
A sorte se transforma em violenta
Mudando com certeza a direção.

História feita em paz já desatina
E quando acordo, nada me fascina.

160

E quando acordo, nada me fascina
Apenas o terror domina a cena,
O amor que desejava e que serena
Secara com certeza antiga mina.

Delírio que pensara feito em gozo,
Tormenta se espalhando pela casa,
O medo do futuro ora me abrasa
O dia se promete pavoroso

Nefasta realidade sonegando
O que uma fantasia procurava
De ti querido amante quase escrava,
E o temporal ressurge destroçando.

Uma esperança atroz e nesta ceva
Eu vejo este futuro em frio e treva.


161


Eu vejo este futuro em frio e treva
E nada me permite outro caminho
O coração cigano vai sozinho
E em plena tempestade ainda neva

Esgotam-se estas chances no vazio
E o todo se desfaz em triste campo,
Nos sonhos muitas vezes eu acampo
E um tempo mais tranqüilo ainda crio.

Mesquinha realidade me consome
E deixa para trás a fantasia.
Enquanto um novo mundo amor urdia,
No olhar de quem ficara, medo e fome

Assim em temporais ora deslindo
Quem tanto se entregou e nada vindo...

162


Quem tanto se entregou e nada vindo
Jamais imaginara outro momento
Além do que se fez em tal tormento
Medonho que percebo ser infindo.

Vestindo esta emoção ainda creio
Num último segundo feito em festa,
Mas quando o tempo chega e nada resta
Aumenta a cada dia meu receio.

E o pranto se espalhando em olhos tristes
Estorvos tão comuns no desamor,
Ainda trago em mim a antiga flor,
Porquanto no meu peito ainda existes

E assim mesmo que seja um sonho fero,
Um dia há de voltar quem tanto espero.

163


Um dia há de voltar quem tanto espero.
Após o sofrimento que se emana
De uma ilusão feroz e soberana
Morrendo deste modo tão austero.

Sincera, muitas vezes inda quis
Teimar contra a verdade mais atroz,
E ainda que se ouvisse a minha voz
Somente expressaria cicatriz

Que tanto me tortura e me faz mal,
Deixando o coração em polvorosa
Jardim que imaginara, sem a rosa,
Abrolho se espalhando no quintal.

Embora passageira da agonia
Apenas quero ser feliz um dia.


164


Apenas quero ser feliz um dia
Podendo num sorriso perceber
Maravilhosos sonhos em prazer,
Deixando para trás vida sombria.

O quanto se deseja e nada vindo
Permite ao coração somente o pranto
E neste mundo amargo em desencanto,
Dor traduz pesadelo quase infindo

Ocasionando em mim tal cataclismo
E nele sem saída, volto ao pó,
Caminho sem ninguém, meu mundo é só,
Vagando em noite frágil, louca eu cismo.

A multidão em volta imensa e vária
Mas quando adormecendo; solitária...

165

Mas quando adormecendo; solitária,
Depois de ter nos sonhos a alegria,
É como se esta estrela que me guia
Levasse à solidão tão temerária.

Aos olhos de quem amo, nada sou,
E sinto que talvez ainda possa
Erguer-me da terrível, fria fossa
Aonde o desamor me mergulhou.

Vacante coração procura alguém
Que possa me trazer felicidade,
Mas quando o mundo chega e a dor invade
Somente este vazio ainda vem

O olhar tão pensativo em vão se lance:
Pudesse ter ao menos uma chance...

166

Pudesse ter ao menos uma chance
Quem sabe encontraria enfim a luz
E quando à imensa treva me conduz
O que pensara outrora ser romance
Nuances do passado rebrilhando
Tocando a minha pele, em dura chaga
Apenas o terror ainda afaga
O rosto que quisera bem mais brando.

E o beijo que recebo de um falsário
Avança sem destino e perde o rumo,
Os erros cometidos eu assumo,
Jamais me trancaria num armário.

A luz de um novo tempo enfim prevejo
E nela a liberdade que desejo.

167


E nela a liberdade que desejo,
Na sorte que desmente o dia a dia,
Pudesse ter no olhar a poesia,
E nela saciado o meu desejo.

O quarto de dormir. Cada lençol
Trazendo ainda a marca de quem tanto
Perdera com o tempo o raro encanto,
Morrendo pouco a pouco o antigo sol.

São turvas as estradas que professo,
E delas não encontro mais final.
O amor imenso e torpe ritual,
Não causa a quem se entrega algum progresso

Prazer traria luz nesta procura
E quando me entranhasse em noite escura.

168


E quando me entranhasse em noite escura
Em plena tempestade eu poderia
Viver quem sabe ao menos a alegria
Que tanto me sacia enquanto cura.

O beijo de quem amo me faz bem,
Mas quando este vazio toma a cena
Sem nada nem ninguém que me serena,
A vaga solidão já me contém

E tudo o que pensara ser verdade
Morrendo pouco a pouco, nada deixa,
Queria ser a fêmea, deusa e gueixa,
Delírio que deveras alto brade

E nisso uma emoção deveras forte
Pra quem se fez em dívida co’a sorte.

169

Pra quem se fez em dívida co’a sorte
O tempo desafia e não permite
Que tudo ultrapassando algum limite
Mudando com certeza rumo e Norte,

Estranhas ilusões são costumeiras
E quando perpetuam trazem dor,
Aonde se pudesse ter calor,
Diverso deste sonho em que queiras

Viver o que desejo sem perguntas,
Mas sei ser impossível sonho, então
Os dias mais sombrios mostrarão
Almas que jamais andaram juntas.

Pudesse ter nos olhos belo prado
E aonde te encontrar; meu bem amado.

170

E aonde te encontrar; meu bem amado
Num céu feito em neblinas mais cerradas,
Vasculho nos caminhos, nas estradas
Montanhas, vales, planos, no cerrado

E nada de encontrar quem tanto quero
Amante que se fez em perfeição,
Meus olhos sem destino não verão
O amor que desejei farto e sincero.

Saber da solidão que agora invade
A casa e toma conta disto tudo,
Ainda que em verdade enfim me iludo,
Já sei do meu final: ansiedade.

E como me furtar ao grande breu
Se a estrela que me guia se escondeu.

171

Se a estrela que me guia se escondeu
Não tenho outra saída: escuridão!
Ainda quando em mim houver verão
Descrente coração venal e ateu

Mudando a direção do pensamento
Vagando sem destino por aí,
O encanto que bebera outrora em ti
Agora se transforma em vil tormento.

Os passos pela casa, noite afora,
O teu perfume invade esta janela,
E quando uma verdade se revela,
Somente a fantasia me devora.

Aonde imaginara ser feliz
Realidade chega e contradiz...


172

Realidade chega e contradiz
O todo se transforma em nada ter,
Apenas nos meus olhos desprazer
E o coração inútil aprendiz.

Vivesse pelo menos a esperança
E dela não sorvesse tanto medo,
Além deste carinho em que me enredo
O amor neste nuance então se lança

E vejo algum sorriso prazeroso
E dele sinto vir suave brisa,
O cheiro deste corpo suaviza
Promessa delicada de algum gozo.

Porém quando a verdade descortina
Voltando para a triste e vã rotina...

173

Voltando para a triste e vã rotina
Retornando ao vazio que me deste
Caminho em pedregulhos tão agreste,
Somente a solidão inda domina

O medo de seguir impede o passo
E quando me encontrara mais feliz
O mundo sonegando e a cicatriz
Traduz o pesadelo aonde eu traço

As minhas ilusões cruéis e fúteis,
Sangrando inutilmente e sem ninguém,
O amor que tanto quero e nunca vem
Transforma dias calmos em inúteis.

Encontro tão somente frio e treva
Diverso do que uma alma tola, ceva...


174


Diverso do que uma alma tola, ceva
O mundo se traduz em crueldade
E quanto mais ao longo o sonho brade
Vislumbra a realidade feita em treva.

Aonde se encontrasse algum prazer
Não tendo mais sequer outro momento,
Nas ondas deste mar eu me atormento
E o cais e ancoradouro; não sei ver.

Restando para mim o descompasso
Marcando cada dia desta vida,
Imagem que ora vejo tão sofrida,
Caminho aonde o mundo já desfaço.

Matando quem num dia claro e lindo
Pensou num louco amor, superno e infindo...

175

Pensou num louco amor, superno e infindo
Quem tanto desejara reviver
Um dia feito em glória. Ao me perder
O mundo em minhas mãos se destruindo...

Pudesse ter no olhar ainda vivo
O belo sentimento ao qual me dei,
Nos braços do meu homem mergulhei,
Momento de prazer tão incisivo.

Agora a moça espreita na janela
Nem nada nem ninguém presta atenção
Naquela que se fez em ilusão
E ao que passou ainda em vão se atrela,

Pudesse ter de novo o que mais quero
O amor, meu derradeiro e mais sincero...



176

O amor, meu derradeiro e mais sincero
Seria como um último suspiro
E quando no vazio inda me atiro
Reflito este momento que venero

Do tempo mais feliz de minha vida,
Reflete dentro da alma esta esperança
E quanto mais audaz o tempo avança
Revejo esta lembrança tão doída.

Assim quem sabe um dia enfim pudesse
Ter toda esta alegria que inda busco,
A madrugada adentra e o lusco fusco
Impede que este brilho enfim regresse

Apenas resta em mim vã fantasia
Bem mais do que a verdade propicia...


177

Bem mais do que a verdade propicia
O sonho traduzindo o que deveras
Ainda provocando vãs esperas
Pudesse transformar tanta agonia.

A sorte não se faz tão benfazeja
Tampouco vejo a luz que inda procuro,
O chão aonde piso, árido e duro
Felicidade em mim já não bafeza.

Medíocres emoções, restos do que
Pensara e não sabia aonde existe,
A caminheira amarga, agora triste
Buscando um bom momento e nada vê

E assim como se fosse uma adversária
A vida se repete. Temerária...

178


A vida se repete temerária
E nada do que eu quis se realiza
O amor como se fosse mera brisa
A solidão se mostra vil corsária

E tudo se esvaindo na fumaça
Ao menos um sorriso; mas cadê?
O olhar enternecido não mais vê
E a vida sem prazeres, triste, passa.

Bebendo desta dor que é costumeira,
Ainda que perceba algum momento
Sem ter aonde um dia veja alento
Jamais se viu aberta esta porteira

Permite a realidade este nuance
Quem tanto espera, eu sei, nunca descanse...


179


Quem tanto espera, eu sei, nunca descanse
Depois de ter na vida os temporais
E não saber se existem magistrais
Momentos tão sublimes num romance.

Ao menos; meu caminho ainda creio
Ser feito em luzes pálidas. Mas quando
Percebo todo o sonho desabando
Restando novamente este receio,

Esquivas alegrias não consigo
E o peso do passado em minhas costas
Diverso da esperança, não apostas,
Pois vês no meu olhar o desabrigo.

Buscando ter nas mãos o meu desejo
Porém tanto procuro e nada vejo...


180


Porém tanto procuro e nada vejo
E sinto ser assim a minha vida,
Prepara-se com fúria a despedida
Deixando para trás sonho sobejo.

O gosto do não ser me mortifica
E o beijo que não veio, ainda guardo.
Caminho feito em pedra, medo e cardo,
Não tendo da alegria alguma dica.

Cravado dentro em mim esta presença
Da chaga que jamais cicatrizasse,
E quando vejo apenas tal impasse
Angústia se tornando tão imensa

E como poderia ter ternura
Sabendo que esta dor, vaga, perdura?


181

Sabendo que esta dor, vaga, perdura;
Caminho pelas trevas nada além,
E quando inda percebo e ninguém vem
Não posso merecer carinho e cura.

O corte se aprofunda dentro da alma
E o gozo que pensara ser possível,
Agora numa voz quase inaudível
Impede finalmente paz e calma.

O quanto desejara e nada veio
Somente a ingratidão, medo feroz,
Espalho sem sentido a minha voz
E o coração não sente e fica alheio

E como poderia ter um Norte
Sem ter amor que ainda me conforte?



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Sem ter amor que ainda me conforte,
Termino este cantar em amargura,
Aonde se pensara em sonho e cura,
Vislumbro no final, a minha morte.

E tudo já perdido, o que me resta?
Somente a solidão incrível fera.
Se jamais pude crer na primavera
O sol não adentrando pela fresta

Aberta do meu peito sonhador,
Mesquinha realidade me domina,
Secando sempre a fonte, cadê mina?
Olhando para frente, vejo a dor

Se eu quero algum momento abençoado
Apenas se eu mirar o meu passado...



De Praia para o mundo lusófono

VALMAR LOUMANN
 
Autor
VALMARLOUMANN
 
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