Neste sacrílego momento, o céu nada me diz. Dou quatro, cinco voltas à casa e não me acho. Perdi-me lá atrás, bem no fundo dos dias com a mala pronta para a despedida.
Nunca achei trevos com mais de três pétalas, nunca me disseram: vem daí tomar um café comigo. Raras são as mulheres que me beijam na face, para me cumprimentar estendem logo a mão.
Sou um azarista de nascença.
Aprendi a andar cedo por ninguém pegar em mim ao colo. Os gatos pretos para mim são como jóias: ponho-os ao pescoço.
Bato com a cabeça na parede e ela chora, a parede. Tudo é ruim, mesmo pronunciar a palavra ruim faz-me formigueiro nos tomates. Ó, eu não disse? A minha vida é um espanto, desculpe-me, não o quis espantar. Os autocarros não esperam por mim. Em dias de chuva os carros passam por cima das poças de água e eu fico como um pito molhado.
Nos restaurantes a sopa vem sempre fria, e quando vem quentinha o garçon faz o favor de ter o dedo metido nela. Calha-me sempre a mesa ao pé do WC. As moscas, sei lá porquê, gostam da minha filosofia.
Não há camisa que me assente, a costureira diz que é defeito de fabrico, o meu corpo. Tenho dias que mais parecem noite. Já fui humorista mas de tanto rir caíram-me os dentes da frente. Agora riem-se de mim, e eu choro feito aquele puto ranhoso e chorão do quadro famoso.
Quando estou a tomar banho, com o cabelo enshampoozado, falha sempre a água.
Quando vou às “tias” encontro sempre lá alguém conhecido. De manhã o meu Peugeot nunca pega, tenho de o empurrar por uma estrada a subir. Os vizinhos nestas alturas estão sempre com muita pressa, ou a fazer coisas. O meu papagaio ri-se eu enervo-me e desloco parcialmente o maxilar. Chamo os bombeiros e vem a polícia.
O meu número da porta é o 13. O meu número do telemóvel acaba em 13, casei-me num dia 13, tenho 13 dias para pagar ao senhorio. Sempre me deixei perder no jogo a ver se tinha sorte no amor. Fui levado na cantiga. Na rua, quando estou com uma vontade imensa de fazer xixi, aparece sempre a minha antiga professora da escola primária a perguntar como está o seu menino. E eu a fazer que danço. O meu aniversário é sempre naquela data em que ninguém se lembra. Quando vou para dizer uma coisa importante fico gago.
O pai natal manda-me muitos cumprimentos. A filha do Elias trocou-me pelo meu irmão gémeo. Todas as frutas que mordisco tem um bichinho lá dentro. Tenho pé de atleta e muita gente pensa que isso é uma vantagem para o desporto. Fui operado aos pulmões e o médico deixou lá o seu cachimbo cubano, aceso. Quando perdi a virgindade fiquei com a sensação que fizera com o sofá. A minha mente mente. Sou uma pessoa de difícil acesso, moro no alto de um pinheiro. Uma vez fui ao oceanário a Lisboa e um tubarão sorriu para mim. Só mais tarde é que soube que ele tinha laços parentesco para comigo. Na ópera ou é o telemóvel a tocar com a música da Shakira ou são aqueles ataques de tosse que me deram a alcunha de Espanta-mortos.
Quando alguém dá um pum as pessoas desconfiam logo de mim. Eu fico tão corado que nem plantação tomates serve como metáfora.
Se estou a ver uma montra por volta das onze da noite pensam sempre que a vou assaltar. O meu partido perdeu as siglas num combate. A minha sorte está carregada de azares. Não sei por quê mas os meus estrugidos queimam-se todos, assim como os meus respectivos aventais bordados à mão.
No acidente de camioneta todos se salvaram excepto eu, que parti a perna em três lados. Se alguém cai e dá um berro, eu caio e berro em dobro. Quando vou à pesca ao rio os peixes vão dar uma volta até ao mar.
Milagre tive eu quando num dia de gente arrodos, num hipermercado, fui único refém de um bando de assaltantes que, por felicidade minha, fizeram a infância comigo num colégio de correcção. O azar persegue-me. Eu bem lhe finto mas acabo marcando golos na própria baliza. Na escola era o primeiro em quase tudo, principalmente a ir ao quadro e a experimentar as réguas. No dia em que ia começar a ter aulas de piano, fiquei tão contente que quis lançar um foguete ao ar, e não é que o gajo estourou-se-me nas mãos. O médico deu-me alta passados três dias. Mal saí do hospital tive de regressar devido a um traumatismo craniano. Quis descer as escadas de dez em dez degraus, para impressionar uma enfermeira que dava boas picas.
Quem me acompanha acaba por ter azar igual. Por isso ando sempre só, a piscar o olho às andorinhas, mas sempre com aquele cuidado. Não vá uma delas fazer na minha careca precoce. Afinal o que sou? O meu pai diz-me que já o pai o pai do pai dele era assim. A minha mãe quando lhe pergunto começa a rezar para não ter de chamar de novo o espiritista. Enfim, sou aquilo a que se chama: um sortudo dos diabos!