Enlouqueci... rasgo a tua roupa e queimo tudo, o passado severo que não tivemos, os dedos que me amansaram a pele, os teus, únicos dedos que conseguiam dar cabo das minhas defesas e despertar-me o desejo. Queimo as fotos, as nossas, momentos belos queimados e destruídos só pelos dedos, os mesmo dedos que me despertavam para a vida de mulher.
Vinha ainda no fundo da rua quando vi o teu carro estacionado em frente a nossa casa, acelerei o passo com o coração aos pulos, julguei que tivesses saído do trabalho mais cedo tal como eu, nada premeditado mas o amor é assim mesmo, subi as escadas e vi que a porta estava trancada, não era teu hábito deixares a porta trancada quando estás em casa, pensei que talvez te tivesses esquecido de o fazer, abri a porta com a minha chave e fui à cozinha pousar as compras, em cima do balção estava a tua mala e um casaco, não era o teu casaco, era um casaco de mulher, pensei que talvez alguma colega o tivesse esquecido no escritório e tu como cavalheiro que és o tivesses guardado, fui à casa de banho, lavei a cara e as mãos e olhei-me no espelho, quando ia a sair tropecei numa saia e numas meias pretas e corri escadas acima, pelo corredor estavam as tuas roupas misturadas com a roupa interior de uma mulher, parei em frente à porta do nosso quarto, respirei fundo e não ouvi bater nenhum coração naquele instante, nem o meu, então carregada de força abri a porta mas não estava lá nada, o quarto estava arrumado como o tinha deixado, onde estariam? Abri a porta da casa de banho ao fundo do corredor mas não estavam lá, subi até ao sotão e não estavam lá, desesperada chorei agarrada às minhas bonecas de infância guardadas no sótão, cheias de pó, depois fui até à janela e vi-te, todo nu de pé na marquise, desci as escadas, abri a porta da marquise sem ar no peito, ela estava nua em cima da mesa de mármore onde jantamos no verão, tu estavas louco de desejo agarrado aos peitos dela com o teu corpo num vai e vem, eu estava perplexa e nem fui capaz de pronunciar uma palavra, corri à cozinha e peguei na maior faca do faqueiro, subi as escadas com o coração a bater acelerado, entrei na marquise e olhando-te nos olhos esfaqueei-te o corpo nu que caído no chão formou uma grande poça de sangue na brancura dos azulejos, depois avancei sobre ela e esfaqueeia contra o mármore da mesa, chorei e chorei e tornei a chorar...
Queimo tudo no jardim, tudo o que te pertencia e tudo o que lhe pertencia, os vossos corpos enterrei-os aqui, por baixo do lugar onde vos queimo, a faca atirei-a ao rio onde tantas vezes repousamos juntos. Amanhã de manhã hei-de dar-te como desaparecido e hei-de vestir-me de luto e o resto, o resto fica só comigo...
. façam de conta que eu não estive cá .