A chuva em trovoadas desabou
do céu, intensa, em abundância,
como lágrimas de Nosso Senhor
despertando o meu lado criança
Corri a pegar um pedaço de papel
com ele fiz um lindo barquinho
onde desenhei o índigo do céu
e acrescentei pitadas de carinho
De terno, gravata, sapato mocassim
sem me importar com a aparência
meio infantil, tudo era novo pra mim,
extravasei minha olvidada inocência
A chuva forte molhou-me por inteiro
deitei-me tão feliz sobre a calçada
e vi, rindo, a água formando um ribeiro,
patético, minha roupa toda molhada
Coloquei o barquinho na correnteza
que, lépido e fagueiro, saiu a navegar
e na fragilidade cândida de sua leveza
parecia deslizando nas ondas do mar
A água, brava, o levou para distante
por mares nunca outrora navegados
e lá se foi como firme vai a amante
quando discute e briga com o amado
Fiquei deitado sob as lágrimas do céu
vendo meu barco que se ia radiante
e mesmo sendo pequeno, feito de papel,
deixou-se levar às cegas, todo confiante