Era um recanto de jardim florido, como se espera, em manhã de primavera! A sinfonia de cores anunciava momentos felizes, encantos de perene jovialidade, gritos de renovada esperança e coragem - ali não havia espaço para tristezas: era um novo dia e cada flor, mais e mais viva, pujante no gozo da luz renascida, era um convite à alegria!
Chegava-se de mansinho e, mergulhando naquela quietude, desafio de promessas por cumprir, ficava-se com desejos de eternidade,
(e como isso de eternidade, por vezes, incomoda!...)
capazes de tudo e do nada, do melhor e do pior, mesmo do sem sentido - consentido, contrariado até mais não poder ser - a doer se parados, a magoar quando agitados, inquietos na curiosidade do devir, esse que sempre e só foi e será na possibilidade de ser, já incapazes de querer mais do que o "quero", calados, quietos, repletos!
será isso que esperam de nós as flores numa manhã de primavera?
será para isto que se perturba o silêncio de um recanto de jardim numa manhã de primavera?
será possível ter-se algo a ver com as flores no recanto do jardim?
Cada gesto, cada grito, cada silêncio, tudo ecoa nessa nesga de eternidade - ou será finitude? - que arrebata, que toca e foge, qual arrepio no âmago do instável, frágil, pequenino! Se ainda é possível sentir algo, talvez só isso, mais nada além ou aqui, mais o quê, ou quem, ou até como, só isso, esse arrepio a fustigar, a desafiar a inércia, a clamar por solidariedade:
ninguém pode ficar nesse recanto assim, sem mais!
ninguém pode ficar impune se incerto!
ninguém!
Quase sem se dar conta, a manhã passou, a tarde escondeu-se com a luz por detrás do horizonte e a noite veio devolver o silêncio perdido ao recanto assustado do jardim. Já não haveria mais espaço para a inquietação nessa experiência de plenitude!
já não haverá mais amanhãs de silêncio nas "primaveras" de cada vida?
já não se voltará a escrever sobre as flores nos recantos de jardins?
já se deixará florir os jardins em cada manhã de primavera?
já ninguém se vai incomodar com os desafios nas manhãs que florescem?
A sinfonia de cores anunciava momentos felizes, encantos de perene jovialidade, gritos de renovada esperança e coragem... ainda é manhã de primavera!