Prosas Poéticas : 

.............................o terceiro elemento

 

amanhece
exactamente na manhã…

…Joana enrosca-se na cama, sob os cobertores, enquanto a mãe grita na cozinha
menina, são horas!
está farta daquelas palavras .dos mesmos gritos.
tenta não pensar em nada .tapa a cabeça

mas as imagens voltam e revoltam, como se ainda as vivesse
Joana ,vais perder o autocarro!
sempre a mesma lenga-lenga ,pensa ,enquanto abre as janelas ,meio a dormir
o sol bate-lhe de chapa no rosto

mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as vivesse
não .não havia sol no dia em que conhecera o Manuel Maria
convidara-a para uma bica nas Docas .primeiro ,olharam-se
estenderam a mão e os dedos iniciaram a dança era pesado o ar .os dedos continuaram o jogo .as mãos seguiram o ritual
depois ,levantaram-se e souberam .o beijo … sabia a rio
o silêncio .o silêncio dos apaixonados .amou-o. era tarde…



entardece
exactamente na tarde…

…Manuel Maria arranca .apetece-lhe conduzir
apenas
não venha tarde para jantar ,pedira-lhe a mãe
hoje a tia Inês e o marido vêm jantar a nossa casa
que chatice .aturar os cotas .estava farto do beijo ,emproado ,com que a tia o cumprimentava e do ar circunspecto do almirante .o marido
acelera
tenta não pensar em nada .levanta a capota do carro

mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as vivesse
Manuel Maria ,não se esqueça .o pai gosta de jantar às oito
sempre a mesma lenga-lenga
pensa ,enquanto acelera .baixa a pala do automóvel
o sol bate-lhe de chapa no rosto

mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as vivesse
não .no dia em que beijara a Teresa não havia sol
passara semanas à espera ,sentado ,frente à Faculdade .a Teresa saía e ria .ria alto .fingia não o conhecer .irritava-o aquele ar de menina senhora de seu nariz .a Teresa ria .apanhava o autocarro e ria .ria e provocava-o ,atirando-lhe um beijo pela janela .todos os dias o mesmo ritual
Manuel Maria não hesitou
à saída de Penal ,agarrou-a .Teresa não resistiu
nesse dia não apanhou o autocarro .não riu alto sorriu e retribuiu o beijo .quente .envolvente entrou no carro .amou-o .era noite …



anoitece
exactamente na noite…

… Teresa enrosca-se .o telemóvel continua ligado em cima do sofá .não ouve as palavras da Joana esta ligara-lhe
posso ir a tua casa? – chora. – não aguento mais desculpa as horas ,mas ,palavra ,não aguento
mas ,o que se passa?! estás bem?
não .estou péssima … lembras-te do Manuel Maria?
o silêncio .de novo o silêncio .o vazio

… Manuel Maria acelera
tenta não pensar em nada
mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as vivesse
acelera a fundo
Joana … Teresa … a mãe … os tios … o jantar esquecido

chega tarde a casa .não ouve as palavras da mãe está cansado .farto .não aguenta .rebenta
Manuel Maria ,onde é que o menino esteve? sabe ,afinal o seu pai também não veio jantar teve uma reunião .à última hora .no Banco .a Matilde estava para vir com os pais .perguntaram por si .lembra-se dela?, dos vossos Verões em Moledo?, os meninos não namor …
que horror ,mãe .namoro?! ... isso era no seu tempo
atira-se para cima da cama .fecha os olhos
nas mãos ,o rio .na boca ,o beijo
um corpo … o pai …
… Matilde.





 
Autor
gabriela r martins
 
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