- Também vou!
É difícil penetrar na noite do teu olhar interrogativo sem descortinar uma favela de estrelas reunidas no canto dos lábios e o perene pavor vestido com penas de pavão. O sorriso abriria as comportas da barragem da satisfação e o cerrar momentâneo das pálpebras reuniria todos os momentos em que a fusão dos nossos átomos explodiria no espaço cósmico e um fogo-fátuo se elevaria da terra para manifestar a alegria dum sentimento único. Deixar-me-ia levar pela cratera entreaberta dos lábios e nessa viagem ocuparia o lugar de cicerone. Entre a saída e a chegada contabilizaria as horas e aprestar-me-ia para que durante todos os dias do universo a constância de um grito ecoasse pelo espaço sideral e revelasse do interior de mim a felicidade de te ter aqui. Os nossos dias seriam preenchidos de sonhos e um lâmina de múltiplos projectos revelaria nos alicerces a fortaleza que ambos construiríamos. Sei que a possibilidade de sermos felizes tem a mesma probabilidade do sol que nasce todas as manhãs, encoberto ou não, e não deixa de ser o astro rei. Quando nas tardes de domingo caminhássemos junto à muralha e o rio se juntasse à nossa festa falaríamos do tempo que perdemos e da relevância do que ficou atabalhoado pelo caminho numa mistura de incompreensão e conformismo. Concluiríamos que o biombo que criámos em torno de nós era tão opaco como um cristal e tão temeroso como um desejo de paz. Gargalharíamos desse estúpido biombo incrustado na mente como uma noite de vendaval. Aproveitaríamos a tarde para rever os caminhos que ainda devíamos trilhar. Ao nosso dispor os louros de uma estrada longa que se alargava no horizonte potenciando possibilidades e harmonias. Acredito em tudo isto! Acredito que no dia em que os poetas escreveram poemas do mais puro e intenso e amor tiveram em mente as nossas mãos unidas num oceano de paixão. Não há poema de amor que não fale de nós… Cada verso, cada estrofe é um hino que se ergue à fusão dos nossos corações.
Atormenta este megalómano sonho as penas abertas do pavão do temor que se esforça por ser o protagonista das dúvidas e olear o chão de incertezas. Cada pena exibe uma corola de questões impertinentes com a profundidade dum mar chão. Cada uma delas bate com os dedos na mesa de madeira da esplanada das impossibilidades e aguarda freneticamente que alguma resposta lhe dê o relevo que ela considere ter. Durante o cronómetro do tempo perdido rotulamos os frascos vazios com artifícios de ilusões e utopias na esperança singela e vã de que correspondam a alguma necessidade premente. No banquete das respostas encontradas um menu de justificações sem nexo compõe o ramalhete de urtigas a levar à mesa como se a nossa vida dependesse do repasto e as alternativas fossem uma centopeia à procura da vítima. Enquanto coxeamos nesse círculo vicioso de inutilidades deixamos escapar soluções pelos poros do desejo e o mamífero da vontade ronda a costa de penhascos sem praia onde repousar. Depois embutidos com o fardamento do conformismo concluímos todas as impossibilidades e ainda concordamos que são todos os motivos necessários para que a nossa união não se consuma. Talvez terminemos a ceia dos desesperados com um “a vida é assim” cientes de nada é assim e conscientes da nossa incapacidade para responder ao que devia ser respondido e romper com o que devia ser rompido.
Pesa muito mais esta agonia de rótulos colados à testa do “a vida não permite mais” que o concreto esforço para encontrarmos nas vicissitudes a resposta ao que ambos ansiamos. Deixamos o tempo roer a corda do presente futuro que gostaríamos fosse o nosso e desamparados caímos na letargia da miserável aceitação do que é, sem tentarmos impor o nosso passo, o nosso crer. Vivemos a sinfonia dos obstáculos e ainda encontramos tempo para acrescentar um ou outro tijolo como se estivéssemos a construir o edifício do futuro.
Hoje à minha alma aflita assiste a emergência da dúvida. Apenas uma no infinito reportório do passado. Onde plantei certezas, como o mais experiente jardineiro, nasceram arbustos estéreis e as frases perdidas num novelo de nuvens desenrolam-se para tomarem as proporções gigantescas de uma única verdade. Afinal tudo se resume a uma única questão: O amor. Para beber o mar num trago de alegria é preciso que a mensagem transportada numa garrafa às ondas bóie nas águas. Fingir que somos um mar não é o bastante. Eu e tu seremos o bastante? Será que temos para connosco algum sentimento mais que a realização temporária de uma satisfação que urge quando nos encontramos e se manifesta na necessidade de nos encontrarmos? Será que o acto sexual resume o todo dum sentimento? Um amarfanhado questionário como réplica de uma pirâmide se debate na minha mente. Além disso, bastava que dissesses…
- Vem!
António Casado
15 Fevereiro 2009