Olho no silêncio lunar
Dos teus olhos fundos
E busco a fragrância dos sonhos
Perdidos
Na quietude do tempo
Quando os nossos passos tinham a leveza
Das asas que não tínhamos
Mas nos levavam ao imponderável
Dos dias sem nuvens negras
Nem escolhos teimosos
Nem dores mofinas
Nem lágrimas salgadas
Como bagas de mortinhos
Colhidos à beira dos carreiros
Que acolhiam as nossas solenes
Viagens de amantes bêbados
Da insolência dum amor
Imortal.
Perdemos, meu amor, a primavera
Da vida
Em deambulações ciganas
Remando contra uma maré
De contratempos…
Aportámos sonolentos,
Náufragos e humanos,
À margem dum rio de desespero
Atormentados e inertes
Mentindo com um sorriso rasgado
Que nos dilacerava até aos ossos!
Gastámos as horas dos dias
Todos
Dos anos cheios de angústia
A desfiar novelos de memórias…
E sempre que olhámos o espelho,
Plano e silencioso,
Buscámos o contorno da imagem
Do rosto do outro
Na esperança de mergulhar
Perdida e desalmadamente
No vasto olhar que afagou
A nossa paixão comum.
Já não sei se te amo
Como te amei…
Já não sei se me lembro
Da maciez do teu rosto
Impregnado de luz…
Já não sei se me apetece
Recordar o que nos uniu
E a razão da nossa separação…
Mas sei que, quando me pergunto
Quem sou e porque sou assim,
Uma porção enorme de mim
Responde com os olhos marejados
E o coração palpitante de emoção,
Que ainda se solta da minha pele
Envelhecida,
Um laivo do perfume intemporal
Que ficou preso na orla dos meus lábios
Quando nos beijámos pela última vez.
E se já não é amor
É saudade de nós
No tempo em que ainda teimávamos
Ser capazes dum voo sem asas
Ao sabor da loucura da paixão
Avassaladora que nos inundava
Sem preconceito ou fronteira.
Em 27.Dez.2009, pelas 16h15
Paulo César