Parto
À procura de não sei o quê...
Talvez de mim!
Parto...
Soubesse, pelo menos, onde estou...?
Soubesse por onde ir,
Para onde ir...
Parto
E não vou!
Parto com o vento e com o sol
Na sela de um cavalo a fingir
Armado de elmo e lança
Como Quixote ou Pança
À procura de Alcácer-Quibir!
Parto num cavalo alado
A galope por esses caminhos fora
Como se o meu domínio e eu
Principiássemos
No raiar da aurora!
Parto como um lunático
À procura da distância
Num fio de luz suspenso
Na infância!
Junto das águas revoltadas paro.
A grandiosidade do mar
Absorve a minha sede
Numa onda agigantada
Pelo fascínio
Dum trono de medusas...
Sou o imperador mais que perfeito
daquele império sem fronteiras
À beira do meu declínio!
Ah! Felicidade doentia
Em forma de água, ar, ou até desejo
Em forma de luar, de mar
Ou de beijo...!
Como posso crer que é verdade
Se fico?
Deixem-me partir!
Deixem-me ir por esse mar
que me tortura de miragens!
Quero entender as soltas vagas
Que derramam sobre mim o sal
Duma insensível compreensão
Enquanto
Com voz grave e fria
Me acusam:
- NÃO SABES QUEM ÉS!
Ah Mar! Mar azul! Apesar de tudo brando!
Mar de luz! Da luz que me seduz
E provoca o pranto!
Ah mar distante! Mar navegante
Que vens do outro lado do Oceano
Como um deus ou uma consciência
Percorres milhas e milhas de sabedoria
Léguas e léguas de demência
Apenas para me acusares:
- NÃO SABES QUEM ÉS!
O viril espelho da realidade
Assedia-me...
Tanto queria ser...!
A pedra que ninguém teme pisar...
A lâmpada fundida que se joga fora...
A flor murcha que decepam...
O mendigo que nunca chora...
A criança que nunca brinca...
A covardia precisa...
- Sei quem sou...!
Ah Mar!
Dos confins do teu tempo sem limites
Diz-me aos brados, aos berros
Aos gritos:
- SEI QUEM TU ÉS!
Então eu
Inalando mágoa pelo olhar
Fitaria os teus olhos transparentes
Regressaria de onde nunca parti
De braços e peito abertos
Para me abraçar a mim!
António Casado
19 Julho 1978
Revisto para o Luso Poemas