Os teus olhos encontraram os meus
Num écrã poeirento de televisão.
Fizeste-me chorar cá dentro!
Por que é que posso ser feliz,
Quando tu não podes sequer comer?
Por que me deixam viver,
Se tu vais provavelmente morrer?
Deixa-me tocar-te, agarrar-te, segurar-te,
Deixa-me dar-te o que puder.
Menino negro de olhos grandes
Nos braços de sua mãe...
A pele cola-se aos ossos,
A barriga inchada chora,
Chora as dores de uma criança
Sem pão, sem leite, sem nada!
Sem nada a não ser o colo
Que a mãe triste lhe oferece.
Surges repentinamente
À frente de toda a gente,
Mas estás cercado pelo vidro
De um écrã poeirento...
Deixa-me amar-te, meu menino,
Meu pequenino, doce alma,
Grita a todo o mundo
Que queres viver,
Que queres ser gente como toda a gente,
Que queres poder crescer,
Brincar, sonhar, amar!
Olhos grandes como a dor
Que sente, que lhe foi apresentada à força...
Essa tristeza que mostras
É a indiferença das gentes,
Que no seu conforto se esquecem
De te estender os braços,
De te dar tão pouco,
Mas que para ti é tanto!
Como se pode compreender
Que isto possa suceder,
Que tu, meu menino lindo,
Cercado pelo écrã poeirento,
Precises tanto de nós,
E nós nada façamos...
Écrã frio e indiferente
Que te traz para perto de nós,
E te mostra tão longe, tão distante...,
Que nos faz estender a mão
E te leva de súbito para algures,
Ou nenhures!
Triste menino negro,
Leva um pouco da minha alma,
Tenta proteger-te nela,
Deixa-te abraçar por ela.
Que ela te possa dar,
Num outro Mundo..., talvez...,
A existência a que tens direito,
O alimento para o teu ser,
O amor que devias ter!
Lisboa, 2001