Era uma vez um país muito distante, sem nome pronunciável. Nesse maravilhoso país vivia Eleutério, anónimo cidadão que pautava pela mais discreta normalidade. Cumpria todos os dias as leis ditadas pelo Conselho Geral Provisório de Supervisão Especializada Nacional: às segundas comia tarte de natas, às terças andava de bicicleta, às quartas usava sapatos de salto alto, às quintas passava o dia de olhos fechados e às sextas havia uma grande festa dedicada ao líder. Aos fins de semana, todo o povo rezava nas igrejas com calções de banho amarelos vestidos ao contrário. Cada cidadão era autorizado a cometer cinco irregularidades antes de ser enviado para uma instituição de normalização, onde praticava todas as acções devidas acumuladas ao longo da semana, todo o dia.
Certo dia, Eleutério dedicou-se ao estudo das correntes anárquicas, que eram conhecidas na sua terra por “chateísmo”, uma religião banida durante duzentos milhões de anos-luz. Depois de adquirir todos os valores que estudou, decidiu cometer todas as falhas possíveis, para sempre. Era domingo à noite e foi-se deitar, sonhando com todos os crimes que ia cometer daí em diante.
Segunda-feira. Chegaram as quatro da tarde, hora de comer a tarte de natas. Eleutério pegou na tarte e atirou-a à cara do polícia mais próximo. Alegou de imediato que a tarte lhe escorregou das mãos quando já tinha comido metade. O polícia perdoou-o rapidamente e seguiram a sua vida.
Terça-feira. Todos foram andar de bicicleta, menos o Eleutério. O polícia aproximou-se, e rapidamente ouviu:
- A minha bicicleta furou, certamente o Conselho Geral Provisório compreenderá a minha situação, que não depende da minha enorme vontade de andar de bicicleta.
O polícia perdoou-o rapidamente e seguiram a sua vida.
Quarta-feira. Todos foram andar pela rua de saltos altos, contentes da vida. Excepto o Eleutério, que ficou descalço na avenida principal, a fumar o seu pensativo cigarro. O polícia aproximou-se, e rapidamente ouviu:
- Um salto partiu-se. Fico coxo e se caio em cima de alguém posso magoá-lo, o Conselho Geral Provisório não deve querer danos pessoais para impor simplesmente as suas boas práticas.
O polícia perdoou-o rapidamente e seguiram a sua vida.
Quinta-feira. Todos andaram por todo o lado de olhos fechados, menos o Eleutério. Ele abriu os olhos, e viu todos a apalpar as paredes, querendo chegar a lado nenhum. Apalpavam-se outras coisas também. No entanto, ele ficou chocado com outra coisa. Em todas as casas, a polícia mexia em tudo e levava todo o dinheiro e outras posses de valor. Foi imediatamente detido por um polícia, e disse:
- Estou com um problema nervoso que me impede de fechar os olhos com consistência…
O polícia espancou-o e torturou-o até ele aceitar levar uma injecção que o faria submeter-se a todas as vontades do Conselho Geral Provisório.
Sexta-feira. Tudo correu normalmente, com Eleutério a celebrar fortemente a vitória e permanência dos seus queridos líderes e regras vigentes.
Sábado. Eleutério ajoelhou-se na igreja para rezar aos deuses definidos pelo Conselho Geral Provisório. No entanto, todo o povo se chocou e gritava “Polícia!”. Ela não tardou em chegar e algemou Eleutério, que ostentava um fato formal azul. Ele também não tardou em dizer:
- Oh, desculpem… Pensava que era quinta-feira!
O povo apupava o vil cidadão à medida que ele era afastado pela polícia, em direcção à instituição de normalização.
A um canto da igreja, rezava um experiente advogado sorridente e revoltoso.
Um pouco mais à frente, uma mulher levantava os braços fanaticamente aos seus deuses, elaborando um plano de assassinato do nojento cidadão.
Na primeira fila, rezava um famoso louco, que apenas ria para si, para dentro, por dentro, com a calma convicção que aquele cidadão seria o primeiro de muitos.
O Presidente da Câmara recebeu um telefonema e começou a arrumar as malas em direcção à merecida reforma numa praia ainda mais distante. Convocou o polícia para ocupar o seu lugar… “Já viste tanta coisa que vais ficar muito bem neste cargo”.
O polícia não voltaria a ser visto com vida após a noite da revolução de quinta-feira de 27876, calendário distante.