Sempre que encontrava alguém com uma arma nas mãos, repetia o bordão, prevenindo.
- Cuidado, o cão atenta! - E seguia em frente.
Seus subordinados já estavam acostumados com o velho subtenente, que era supersticioso quanto ao manuseio da arma.
Afora o Estrito Cumprimento do Dever Legal ou a Legítima Defesa, a arma tinha que ficar no coldre. Sacá-la só se necessário fosse, e isso, em últimas instâncias. Todos na companhia o ouviam.
Do coronel ao soldado, era benquisto por todos.
Como era instrutor de tiro, e a Polícia Militar estava formando novos soldados, fora designado para instruí-los quanto ao manuseio das armas. Nessa nova turma que entrara, tinha um soldado, de nome P. Júnior, que era muito afoito, e que desdenhava dos conselhos do velho Subtenente. Sempre o criticava, dizendo que ele estava acabado demais para ficar dando instruções a eles, além de que, não agüentava mais aquele bordão, e sempre o imitava, de maneira afetada. E todos riam.
O Subtenente sabia de tudo, poderia puni-lo com uma advertência, mas tinha bom coração, e via potencial em P. Júnior, bastava ter paciência e treiná-lo.
No entanto, não conseguiu...
Fez-los perfilar diante de si, e passou a discorrer sobre os tipos de armamentos que a Corporação empregava e que iriam utilizar quando de serviço.
- Com arma não se brinca. Cuidado, o cão atenta! Não fiquem brincando com ela ou manuseando ela sem necessidades. Isso só faz demonstrar que vocês não têm maturidade para o serviço policial. Portanto, nada de fazer idiotices.
E passou a ensiná-los a montar e desmontar o fuzil Imbel 5.56 mm, e a pistola Taurus, PT .40 que usariam em serviço. Sempre os advertia para que só sacassem suas armas se fosse numa situação que de fato precisassem utilizá-la, caso contrário, que ela permanecesse no coldre, onde era o seu lugar.
E o soldado P. Júnior ria calado, descrente das instruções do Suboficial.
Foram para o estande. Eram os exercícios de tiro prático.
Dispararam o dia todo, de manhã e à tarde. Exercitaram todos os tipos de saques. Corrigiram posições. Utilizaram pistas de adestramento. Enfim, foram treinados para ser o que seriam: Policiais Militares, aptos a atuar em prol da comunidade.
Nesse meio tempo, o Subtenente percebeu que P. Júnior sacava sua arma e ficava brincando com ela. Engatilhando-a e apontando-a para os colegas, pelas suas costas. Via tudo, e isso o desgostava. Aquele soldado ainda ia trazer problemas para si e para a Corporação.
Chamou-o na sua sala, e advertiu-o.
- P. Júnior, se eu pegar você apontando a sua arma para os outros soldados, eu mesmo vou dar um jeito de expulsá-lo da Polícia. Entendeu?
- Sim, senhor, Subtenente! - Respondeu.
- Muito bem, pode ir. - Falou, dispensando-o
No final do Curso de Formação de Soldados, foi realizado um torneio entre os novos soldados para ver quem era o melhor. Sagrou-se campeão, P. Júnior. Conseguindo os mais altos índices de acertos, inclusive, observou o Subtenente, suplantando muitos das praças e oficiais que tinha visto atirar durante toda a sua longa carreira de Policial Militar.
Todavia, devido ao seu espírito afoito e seu desprezo quanto às normas de segurança para com as armas, ele não o indicaria para servir no BATALHÃO DE OPERAÇÕES POLICIAIS ESPECIAIS, o famoso B.O.P.E., em vez de P. Júnior, indicaria o segundo colocado. Uma Policial Feminina que, apesar de ser miúda, tinha uma ótima pontaria e era bem discreta nas suas ações. Ela que seria indicada, não ele.
Quando P. Júnior soube que não ia ser indicado para ir para o B.O.P.E., procurou o Subtenente, e perguntou pelo motivo da sua não indicação para aquela Companhia, que era o seu sonho.
O velho Suboficial olhou para o Soldado e falou calmamente.
- Meu filho, você é um excelente atirador. Tem todos os requisitos para se tornar um Policial de Elite, entretanto, eu não vou indicá-lo para o B.O.P.E. Você colocaria em riscos a sua vida, a de seus companheiros, bem como a da população. Desse modo, vou indicá-lo para um cargo burocrático. No seu lugar eu vou recomendar a Policial Jandira. Sinto muito. - E se virou, dando por encerrada a conversa.
P. Júnior ficou ali parado. Com muita raiva do Suboficial. “Quem era ele para decidir sua carreira? Esse Subtenente gagá! Nem para esse filho da puta morrer!” Pensou. E foi embora para casa remoendo a sua raiva.
No outro dia, quando chegou ao quartel, viu uma grande quantidade de pessoas, entre soldados, graduados, oficiais, e pessoas do povo, reunidas no pátio, e percebeu que a bandeira estava a meio-pau, indicando que alguém tinha morrido, pensou no Subtenente, “nem para ser ele”.
Perguntou à sentinela o que tinha acontecido, e ele lhe respondeu que o Subtenente Teodoro tinha falecido na noite anterior, e que seu corpo estava sendo velado ali no pátio.
“Graças a Deus, ainda bem que esse filho da puta morreu. Agora nada me impede de entrar para o B.O.P.E.”, ponderou.
Dias depois do velório, dirigiu-se até o Sargento que substituíra o Subtenente Teodoro. Bateu continência, e pediu permissão para lhe falar.
- Licença Sargento, eu poderia conversar com o senhor? - Perguntou.
O Sargento, respondeu à continência.
- Sim, soldado. O que você deseja?
- É sobre a minha indicação para o BOPE, sargento. O Subtenente ia me recomendar - Mentiu.
- Escuta soldado, eu não li, nem ouvi nada a respeito disso, mas, se você quiser ir para o BOPE, preenche esse formulário que eu encaminho para o Comandante e, se ele te aceitar, tu vais fazer o curso, e se concluí-lo, tu te tornar um Policial do B.O.P.E.. - Isso falando, entregou um formulário para P. Júnior preencher.
Este agradeceu. Bateu continência e se retirou. Preencheu o formulário. Devolveu-o, e tempo depois, já era um Policial do B.O.P.E.
P. Júnior nunca carregava sua arma com munição na câmara. Só quando estava de serviço. Fora isso, preferia usar com a câmara vazia, pelo fato de que de vez em quando gostava de assustar seus amigos, apontando-lhes a arma e apertando o gatilho. E o que se ouvia em seguida, era apenas o clique do percussor batendo a seco na agulha e o susto dos amigos. P. Júnior então caía na gargalhada, e dizia:
- Não têm munição na câmara, seus babacas. - E ia embora, rindo.
Mas o destino é cheio de ardis, e muitas vezes, prega peças na gente, e foi o que aconteceu com P. Júnior...
Tinha dois irmãos, Nilson, de 11 anos, e Marcos, de 13 anos. Sempre que chegava do serviço, eles vinham até o seu quarto, perguntar acerca do seu dia. E sempre conversava com eles, e lhes mostrava a arma, retirando o carregador e a munição que porventura estivesse na câmara e entregava para que manusearem. Eles então a pegavam, e apontando para P. Júnior, apertavam o gatilho, e apenas se ouvia o clique seco do cão. Todo dia era isso. Tornou-se rotina.
Teve um feriado, que P. Júnior ficou de folga, como cobrira o serviço de um colega, agora era sua vez de descansar. Então ficou em casa. Dos seus irmãos, somente Marcos estava em casa, Nilson tinha saído com sua mãe. Eram 18h40min.
Foi tomar banho, pois iria ter um encontro aquela noite, e deixou a arma em cima do criado mudo, com o carregador. Marcos, que estava na sala, viu quando P. Júnior foi para o banheiro, e foi dar uma olhada na arma, pegou-a nas mãos e inadvertidamente destravou-a e deu o golpe de segurança, colocando uma “bala na agulha”. Como não sabia desmuniciar, deixou a arma onde estava e voltou para a sala. Nesse ínterim, sua mãe chega com Nilson, que, vendo o quarto de P. Júnior aberto, corre para pegar a arma, nisso P. Júnior sai do banheiro enrolado na toalha, quando vê, no meio do corredor, Nilson apontando a arma para si. Começa a ri, dizendo então.
- Vamos logo seu moleque, me dá essa arma aqui antes que eu lhe dê umas bordoadas. - E estendeu a mão para tomar a arma das mãos do irmão.
Foi quando ouviu o bordão, e uma risada infernal.
- Cuidado, o cão atenta! - Mas aí já era tarde demais, a arma disparou e acertou P. Júnior bem no meio dos olhos...
(® tanatus - 2009)
* Expressão muito difundida,
entre policiais e civis
tementes a Deus,
no que concerne ao uso inadequado
de armas de fogo...