O Homem que plantava batatas no céu desceu um dia para ver de que material era constituído o solo, o primeiro contacto foi suave como também poderia ser grave. Muito espantado ficou ao ver o Senhor de tais terras imóvel, de braços abertos e olhos sorridentes: estava vestido com um fato e das suas extremidades saíam como que serpentes os frágeis e ondulantes dedos, como trigo os seus cabelos ondulavam. Aproximou-se depressa, sem receio de o perturbar e olhando-o de frente o que viu impressionou-o – no centro duas azeitonas pretas pairavam serenas nas órbitas do Universo, o dia não faria sentido se estivesse sozinho e por isso sorri plenamente para o céu, sorri para mim. Duas aves vieram ao meu encontro contornando as minhas folhas de oliveira, ao fechar os olhos sonhei o que vivi, brinquei com a textura do solo, com a elasticidade das pedras. A interminável vida em redor e eu sem olhar para trás regressei e julguei nesse instante que aquele Senhor me tinha desejado boa viagem…
O Homem que semeou tempestades raramente saía para as sentir, como era injusto vê-lo por dentro: um coração ramificava-se em espaços finitos, era ele por vezes só detritos e lá fora o vento irremediavelmente o procurava sem saber que tão perto ele se encontrava. Na segurança da indiferença, da arrogância e da oca esperança de dentro apenas as palavras se ouviam, este egoísmo angustiava-o e, por actos desonestos receios majestosos o empurravam contra todas as paredes, todas aquelas torres e ninguém para defender, nenhum horizonte para descrever! Na solidão apenas ele tremia de frio, ao elaborar um plano – escavar cada vez mais para dentro – reparou que não sabia que instrumentos usar, como se chamavam ou que aparência tinham, a quem perguntar? Foi o medo que o impulsionou ou foi a curiosidade que o fez sair?
O Homem que segurava no casaco deixou distraidamente cair no chão os olhos e reparar aí, que um cão morto jazia lá. Um misto de repugnância e curiosidade envolviam as suas futuras acções, deixá-lo lá e esperar que outro viesse fazer algo? Ou fazê-lo ele próprio? Passar em frente sem olhar de frente? Olhar depois para trás e ver o que sucede? Retrocedeu no tempo, há pouco aquele ser não lá estava, a Morte trouxe-o tenho a certeza, testa-me. Que quer que eu faça com ele, que o leve daqui pra fora? Como? Para onde? Como resolver a Morte que não é nossa? A quem nos devemos dirigir, quem poderá sentir por nós esta impotência? Eu sei que quis agir mas fui-me embora, amanhã nem me lembro.
O Homem que por vezes não falava sentou-se sem querer ouvir a conversa do lado, acontece que o silêncio na sua infindável e aparentável destreza permitiu que tudo fosse ouvido, focou o seu olhar num vaso de flores que se fundia com a mesa-de-cabeceira: tinha-a comprado há uns anos atrás a uma personagem ainda hoje indescritível, não adianta dar-lhe nome ou forma, cheiro ou cor porque conduziu-me em sonhos à motivação que eu tanto invejo e por isso num bocejo escutei o mar e hesito ainda hoje amar.
SantosAlmeida 31.01.2010
a minha mente foge sempre
mas quero fugir a ela antecipadamente..