Dois Gringos na Praça (CONTO)
Na Praça Mauá, Rio de Janeiro, a chegada do mês de setembro ameniza o ímpeto do sol sobre nossas cabeças. O sol que nos meses mais quentes esquenta o sangue carioca, aqui se quebra. Será a primavera? Não. É você mesmo. Isto sim ajuda muito. Passear ali é o fino, as ruas, as figuras da gente apressada, o píer, os armazéns... e o sol de setembro.
Às vezes a praça diurna se granula com o branco dos uniformes. Um navio americano do norte, nos exibe os seus valentes marinheiros. E nós lhes oferecemos as nossas valentes pistoleiras. Pelo menos por ali. Um navio africano do sul que avistei da janela onde me encontrava, não sei porque, lembrava os portugueses e o navio português entrava o navio inglês no Porto do Rio. Vejam só.
No Rio (o de Janeiro), o tempo é meteoro ilógico. Ou era. Parece que atualmente isto vem acontecendo no mundo todo. O ululante se ressalta neste pensamento. Talvez seja o que explique o comportamento do carioca. A lógica dos seus mistérios. A mística de sua lógica.
A gringa, vinda do Center Hotel, deixava-se conduzir por um ridículo cãozinho preto e peludo nas cinco pontas. Achei que também ele era americano, pois a tudo o bicho olhava com jeito curioso.
Do outro lado da rua (Avenida Rio Branco, antiga Avenida Central, glorioso cenário dos sambas que se foram) um distinto cavalheiro de terno cinza e muita elegância, que ia conquistar a dama em apreço. Parecia brasileiro. Entretanto, parecia mesmo um estrangeiro. Ou vice-versa. Isto não tem importância alguma, porque indubitavelmente (ufa!), seu desejo era iludir.
O trânsito atrapalhado atrapalhava suas manobras. Que calor! Diziam uns. Que frio! Exclamavam outros. E o olho experto nas partes apetecíveis da americana, ou seja, todinha. Ela escolhia suas Times, Lives e tal. Ele escolhia a melhor aproximação, que muitas conhecia, já velho de guerra.
O preto peludo nas pontas, irritava-se além das contas. E tinha razão? Muita. Afinal, que lhe interessava na banca de jornais? Queria continuar seu turismo, ao passo que a patroa queria se demorar ali. Em sendo ela a dona, acabou-se a discussão. Mas ele vingou-se molhando o sapato do homem de terno elegante. Cinza. Ele olhou para baixo e ia mostrar-se muito zangado. Não era para menos, meus caros. Não há nada menos caro hoje em dia. Nem o guri que acabara de engraxar seu lindo pisante. Dou-lhe inteira razão, uma vez que a sua apurada apresentação pessoal sofreu um vexame líquido e certo. Além de ter-lhe feito esquecer o brilho exato que daria à sua aproximação cuidada, no ponto, trabalhosamente escolhida.
Mas o cão danado pertencia à eleita dos seus planos. Aguentou-se. Ela voltou-se sorrindo lindamente e desculpando-se pelo ato do seu protegido pelo preto peludo nas pontas. Não tem de que se...
Será que ele entendeu o que eu disse?, pensou ela remexendo a bolsa para pagar suas revistas. Porque eu não entendi bem sua resposta (dele), continuou pensando a moça enquanto, mágica, fazia surgir os mais estranhos objetos da bolsa (de marca, legítima).
E o livreiro também ruminava os botões: É... mulher demora mesmo para achar a pequena bolsa que traz na bolsa guardada dentro da outra bolsa.
O cachorro se emputecia cada vez mais com as delongas. E a bela dama a tudo espalhava, já desesperada: montes de coisas sobre o mostruário do espanhol bigodudo, dono da banca de jornais.
- Minha carteira! Minha bolsa! Meu dinheiro! Adivinhava aflito o espanhol a tradução particular dos gritos e gestos da gringa estrangeira (porque ele era um gringo já brasileiro, se você me entende). Também ouvia as perplexas palavras My money e outras grilações semelhantes.
Voltou-se para o elegante cavalheiro que trajava terno cinza, pés molhados e muita elegância. Não o avistou. Será que ele entendeu seu inglês? Sim, compreendeu perfeitamente, internacional rato de hotel que era.
Xenonmentalista
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