Poemas -> Introspecção : 

COMO AS PEDRAS

 
Caminho sobre laminadas pedras
Que esquartejam os pés quando passo
(Nem jibóias sobre elas rastejam…!)
Lanço ao vento um grito penetrante!
Proíbem-me a passagem…
Acusam-me de ser um falso caminhante!

Oh dor de quem pare um filho na sarjeta
Com a agonia da morte na garganta!
Dor de quem vive amortalhado
Nas solitárias prisões do ego
E morre aos poucos de saudade
Pelo mundo que de tão preciso rejeita!
Dor cruel! Lástima de dor!!!
Dilui os suspiros do prazer passado
Nos sangue que fermenta nestas pedras!

Porque me recusais?!
Pedras soltas! Moribundas! Vãs!
Presas para sempre à terra que vos sepulta
Como “coisas” sem valor nem objectivos!
Torturai-vos por não saberdes viver!
Vós que viveis sem vitórias nem razões!
Porque me recusais?!
Porque me atirais com o vento que vos desgasta
Sacudis o meu sangue de sobre vós
Vomitais a minha carne como se fosse lepra?!

Morra para sempre o deus que pariu estas pedras!!!
Apague-se do tempo a memória que as calcinou!
Seque a água persistente que as laminou!

Sem vontade
Atiro-me a vós e morro temporariamente de viver….
Oh lógica da ilógica! Ventura da desventura!
Quero ter o prazer de morrer sobre elas
Lambuzar-me no meu próprio sangue
Até me fundir num único organismo!
Quero ser como elas!

Quero apertar as raízes das flores
Estrangular os caules e as pétalas!
Quero pisar a fresca e verde erva
Até à hemorragia da seiva!
Quero semear a discórdia
No cimo dos galhos das árvores!
Quero cobrir de areia escura e fétida
As terras barrentas até à esterilidade!

Seja como elas!
A maldade será abortada das minhas entranhas
Como um louco que recusa um gesto de carinho
Morre aos poucos de frio e solidão
E aproveita da vida a revolta contra tudo!

António Casado
27 Junho 1974
Revisto para o Luso Poemas

 
Autor
antóniocasado
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/01/2010 07:48  Atualizado: 27/01/2010 07:48
 Re: COMO AS PEDRAS - p/ Antonio Casado
Um dos melhores textos que li no Luso
até hoje.

Li-o como se estivesse monologando.

"E aproveita da vida a revolta contra tudo".


Uma frase antológica que me remeteu ao lirismo
dos clássicos consagrados.

Um texto/poema que me fez repensar sobre a brevidade das coisas, a brevidade do belo
que teimamos em não deixá-lo decompor-se.

Bravo!

PM.


Enviado por Tópico
Massari
Publicado: 27/01/2010 10:25  Atualizado: 27/01/2010 10:25
Colaborador
Usuário desde: 07/12/2009
Localidade: Sertãozinho/SP
Mensagens: 1089
 Re: COMO AS PEDRAS
Às vezes somos pedras a fim de calcinar a dor.
Um abraço


Enviado por Tópico
Alberto da fonseca
Publicado: 27/01/2010 11:59  Atualizado: 27/01/2010 11:59
Membro de honra
Usuário desde: 01/12/2007
Localidade: Natural de Sacavém,residente em Les Vans sul da Ardéche França
Mensagens: 7080
 Re: COMO AS PEDRAS
Belo poema. O qurer e o ser da vida

felictações.


Abraço amigo
A. da fonseca


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/01/2010 15:24  Atualizado: 27/01/2010 15:24
 Re: COMO AS PEDRAS
Caro poeta,

Um lindo poema que data de longos anos,deve ter sido um momento único por ti vivido,e daí retiraste o que lhe apetecia dar o grito...
Belo e instigante para quem o ler...

Parabéns!

Abraços
JL


Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 27/01/2010 20:09  Atualizado: 27/01/2010 20:09
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: COMO AS PEDRAS
Ester poema é tão intensamente intinista e...
absorvente, que nos arranca do marasmo, da indiferença que muitas vezes parece correr o nosso espírito!
Visceral e belo!
Destaco...

"Morra para sempre o deus que pariu estas pedras!!!
Apague-se do tempo a memória que as calcinou!
Seque a água persistente que as laminou!"

Vóny Ferreira


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/01/2010 23:43  Atualizado: 27/01/2010 23:43
 Re: COMO AS PEDRAS
António, que dizer? É pra ler , pedir mais(que exigente) e guardar cuidadosamente...
Abraço