Olá papel branco e neutro
Perdoa a intransigência o despeito
Hoje lembrei que minha mãe vai morrer
Tive medo de criança quis abraçá-la beijá-la lhe agradecer
Mas ah loucura ela me agrediu por causa de minha barba por fazer.
Sempre soube disfarçar
Talvez uma inteligência me ajudou a mascarar
Sentimento a me rasgar
Eu queria uma família que gostasse muito de cantar!
Ai Pai do silêncio
Ai ouvido sem senso
Se tem mesmo algo aí do outro lado
Que recebe as preces dum sonho alado
Peço-te meus irmãos perdidos
Que reanime os elos esquecidos -
(de subito uma borboleta entra-lhe pela janela) -
Ó coincidência sublime!
Ai ceticismo que retrai!
Ai frutacor que tanto atrai!
Serei cena dalgum filme?
(a borboleta pousa bem em frente ao caderno onde ele escreve - ele deixa a caneta cair e começa a falar em voz)
Que tens pequenina que queres?
Que pode um solitário azedo ofereceres?
Ai borboleta serão minhas lágrimas que desejas?
Será o rio desaguante de angústias que almejas?
Mas ah de repente entendo-te
Repousa moribunda e eu pensando entreter-te
Ouço já agora tua suprema afirmação
Por Tupã creio que sinto tua lição!
(ele muito vagarosa e delicadamente encosta na borboleta, que despenca inanimada assim que é tocada - ele a acaricia e chora, e volta a escrever mudo)
Do caos da lama brotamos
Lótus psicodélicas vamos que vamos
Deserto da glória afora
Rogo por um fresco regato sem demora.
(ele pára - olha novamente a borboleta - amassa o papel e atira-o longe, de súbito muito tenso, internamente tenso - grita repetidamente em pulmões cheios:
"Conformidade lastimosa!!! Conformidade lastimosa!!! Conformidade lastimosa!!!"
(virando a mesa, chutando o cesto de lixo cheio de poemas amassados, e então se estira na cama desconsolado abraçando o travesseiro; se ajeita, olha pro nada e suspira:
"Isso?... foi real?... uau..."