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Com a faca na mão

 
Esperava sorrateiro, dentro do velho carro ferrugento. Observava o seu alvo, o seu amor, como se de uma apaixonante presa se tratasse. O seu coração batia mais forte, enquanto encostava a afiada faca à sua perna inquieta. Debaixo da discreta árvore, esperava que o tempo olhasse para o relógio, e finalmente fosse ao justo repouso que era oportunidade para o intrigante portador da faca. Rosnava, cansado de ódio e inveja, enquanto olhava para o seu alvo, quieto e jocoso.

Esperou pelo carteiro, que nas terras de ninguém é o último a passar. Esperou também pelos outros ocupantes da casa, que tardavam em sair. Quando finalmente o seu alvo ficou exposto, a sua raiva explodiu e saiu do carro. Rompeu a porta violentamente, à procura, com a faca bem alta, no altar da glória. Encontrou o alvo, quieto e bem posto no canto da cozinha. Sorriu e depois riu, com a faca bem alta, no altar da glória. Era tempo de pagar. Pagar por tudo o que se passou há tanto tempo, e ainda se passa.

Esfaqueou-o, e ninguém ficou impune. Um pão esquartejado jazia imóvel na bancada, para matar a fome do homem que já morreu antes de erguer a faca.

 
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AntonioCarvalho
 
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