Chove. Ao longe, um horizontal fino fio azul eléctrico risca dois tons de negro: o de cima, completamente plano e puro; o de baixo, recortado pelo relevo das árvores que perturbam a perfeição que sempre tem o nascer do dia. E é naqueles momentos que hoje chove. O crepitar da queda das gotas de água aumenta. E aumenta mais ainda. A tela de lona vibra e ribomba com a violenta mas homogénea batucada; parecem pedras, pipocas. Pego no copo de Coca-cola e sorvo mais um trago. Com o comando ajusto o som; mais graves, e o balance mais forte nas colunas de trás. “Laura, ‘tás a gostar?”, “‘Tou, ‘tou,”, diz ela, enroscando-se ainda mais no meu colo, os olhos quase fechados com a côr do horizonte; só lhe falta ronronar...
Um disparo repentino faz-me saltar de novo para a cena, onde chove. Chove a cântaros; “It’s raining cats and dogs!”, penso. Um relâmpago coloca-me o som do disparo na dúvida. A montada não está tranquila; ouço-a em pequenas relinchandelas, a patear. Armo o cão da Winchester de 15, encosto-me mais ao rochedo. O risco é agora uma larga faixa e os vultos são agora árvores, rodeadas por um longo, longo riacho. Nada se move em volta para além da flora local que se agita com a água que cai e com o vento que sopra. Já não vale a pena dormir. Estou de partida. Acordo ainda com chuva, no ecran do televisor. Levo-a ao colo até ao nosso quarto. A aventura vai começar.