Destemido - João Carcule!!
Você tem medo da morte? Você acha que vai viver eternamente? Então leia esta história. Veja bem!!! Se você é medroso nem leia!!!!
Estamos aqui de volta eu e você para continuar a prosa! Já estou sabendo que você já dormiu. Quem me contou foram os nossos dois amigos: O sol e a lua! Gostou dessa? Desculpe-me, mas foi o que eu pude criar. Se não lhe agradou paciencia... deixemos esta lengalenga e vamos aos fatos. De fato mesmo não tenho nada, entretanto as histórias fervilham na cabeça do meu tio e eu vou aqui numa espécie de aparelho psicografando e psicossomando os acontecimentos e no final da trilha a gente faz uma picada e vai fazendo um novo caminho! João Carcule dizia pela sua veia filosófica: "A vida é um brincar de rodas", porém de vez em quando tem-se que parar e fazer uma picada nova, porque cada vez mais aumenta o número de pessoas na roda da vida. E para que o mundo seja mundo, temos que fazer a mutiplicação que Deus mandou. E vamos nós com a globalização ou sem, porque ainda temos ar para respirar e o tempo ruge e urge e nestes termos, segue-se o ritmo!!!
Gosto de conversar com as pessoas sobre a vida e a morte. Por mais que a gente não queira sempre tem alguma morte em volta da gente. Um dia morre uma galinha e se tranforma em canja, no outro morre um boi e vira churrasco, em mais outro morre um porco e vive em torresmo com virado de feijão e laranja em cuia. Mário de Andrade já dizia em "Macunaíma" que não há morte, há apenas trasnformação. Eu meu caro leitor, gostaria de me transformar em estrela a mais distante e a mais bonita. De lá poderia enxergar, junto ao criador, a terra toda. Como ainda não morri e tenho que pagar a minha pena, eu sigo na estrada da imaginação e damos por encerrado este papo filosofista!
Meu avô era capelão e chamava-se Arvelino, para quem não sabe, capelão é uma espécie de meio padre (se é que se pode chamar de meio), uma espécie de representante da igreja em lugar longínquo. Em outras palavras para fechar a questão: substituto de um padre em lugares que não podia ou não queria ir. Meu tio João Carcule contou, certa feita, que numa das visitas de meu avô aos doentes (o velho rezava junto aos doentes para confortá-los na angústia do esperar o chamamento Divino). Eles oravam e cantavam como se fosse uma missa na casa do enfermo. Sabe que a mente tem um poder fantástico? É eu sei que o leitor não ignora, contudo faz parte da prosa, os gramáticos dizem que isto é uma função fática, um religar, um restabelecer do canal da comunicação, eu diria que seria uma inclusão do leitor no papo, uma espécie de agrado ao ouvinte, uma pessoa muito importante na comunicação, razão de qualquer escrito!
Eu já estou até imaginando e você já está imaginando também que eu estou cozinhando o galo em fogo baixo, entretanto não é nao! É que quando se fala em morte, dá assim... um nó na minha garganta. A emoção vem abrupta e pega na gente e as palavras se confundem nas pontas dos dedos e se basbacam todas. Eu só escrevo com dois dedos no teclado e eles não dão conta dessa emoção, e, na hora, eu sinto que funciona como um funil, e a saída são os dedos e são tantas ideias, são tantas palavras querendo sair ao mesmo tempo em enxurradas, que os meus dedos são muito finos e consequemente não aguentam tanta pressão e este fato provoca um colapso na rede da digitação!
Uma vez meu avô foi atender um caso já bem no estado de viagem final. O infeliz morreu duas vezes num só dia! Eu sei que é dificil acreditar, não tenho outro jeito de contar, é meu compromisso de não falsear a verdade, mas é a mais pura verdade, segundo o meu tio. Naquele dia eles foram rezar na casa do moribundo, porém chegaram atrasados. O homem tinha morrido no principiar do nascimento do sol e meu avô chegou lá pelo secar do orvalho. Portanto algumas horas depois. Não deu tempo nem de dar a extrema unção ao coitado. O falecido não tinha bem cinquenta anos. Faltavam-lhe algumas luas para conpletar o meio século. Ja era velhinho, eu digo velhinho por que no sítio as pessoas são muito judiadas pelo sol e o tempo, juntando com a falta de cuidado a pele vai-se num sulco só, assemelhando um telha amiato eternite e tudo vai por água abaixo até chegar a inexistência. Na cidade, o leitor já sabe, há tanto recurso para os homens e mulheres se protegerem tanto do efeito do tempo, que já está mudando a visão da ciência, até estão inventando um outro nome para essa fase, a terceira idade já está sendo transferida para quarta idade tal é a evolução do conhecimento. E é bem verdade que há algumas aberrações nas plásticas em algumas mulheres que só a ilusão de ótica pode entender e explicar o exagero estético.
Bem, mas vamos ao nosso frango frito. Chegaram e deram com o ex-vivo na cama. Fizeram a reza inicial da encomenda do morto e foram cuidar dos finalmentes. Teriam de dar banho no homem e alguém teria de fazê-lo. E agora leitor? Quem fará isso?... Quem?... Quem?... Advinhou!! Foi o meu tio!! Ele mesmo o João Carcule!!
Ele não gostou nada da idéa de meu avô convoca-lo para a lavação. Normalmente era o meu avô quem faria isso, porém o velhinho vinha de um defluxo e para livrar-se do incômodo tomara remédio quente e não podia entrar em água gelada! É... e o defunto seria lavado num corrego perto dalí! Já tinha uma boa oitada de gente ali se prontificando para ajuda-los no que viesse, desde que não fosse lavar o defunto! O meu tio, apesar de não ter assim tanta coragem, assumiu o papel como se fosse um especialista nisso. Como que ele iria fugir do serviço perante um bom número de pessoas e das moçoilas presentes? Ergueu-se num pedestal e com o pescoço carregado de toda a sua garbosidade, foi para o sacrifício!!!
Dois homens pegaram o cadáver no quarto e o trouxeram até a carroça. O burro, que a puxava, olhou para a carga e com um piscar de um olho só assemelhou-se a se benzer como se lembrasse do Guimaraes Rosa em um de seus contos! É leitor, o caso é sério! Nós seres humanos não enxergamos bem a noite, temos medo de vulto no escuro, imagine você os burros que enxergam bem a noite! Já pensou se num belo dia você dá de encontro com uma assombração e ainda mais conhecendo e sabendo quem é essa desgraçada? Deixemos o racicínio de burro do lado e vamos nós nos pacataus-pacataus da vida! Defunto posto e encarroçado.
O dois, meu avô e meu tio, subiram na carroça e seguiram em direção ao riacho! Num átimo chegaram. O caso merecia urgência. Apesar de estar morto, ele merecia uma atenção especial, seria o anfitrião da casa naquela dia e durante toda noite estaria no centro da sala recebendo as pessoas queridas. Era naquele dia as suas 24 horas de importância e sucesso. Era uma cadáver de sucesso!!! É leitor, neste caso não nos contentamos só com os quinze minutos de fama, queremos logo 1 dia inteiro com direito a fofocas, pingão, café e pão com mortadela, piadas e histórias!!
Encostaram a carroça e a alinharam com atraseira em direção a barranca do riozinho. Apearam e para direção da água puxaram o defunto. Escutaram um barulho diferente, parecia que o cadáver havia soltado um peido. Reproduzia, o sem vida, um comportamento de quem não queria tomar banho, aquele barulho demonstrara a ser um aviso desse desejo, puxaram de novo e ouviram outra vez o mesmo barulho. Ficaram intrigados, digo ficaram por força de expressão, meu avô nem deu bola, já estava acostumado, mas meu tio, este sim, já estava quase borrando na bombacha. O cara não saia nem a pau! Foi quando o meu tio resolveu, ainda meio com receio, dar uma axaminada mais criteriosa. Foi então que percebeu que a calça do Seu Sebastião estava enroscado na cabeça de um prego da carroça. Observou e viu que já estavam bem danificadas o pano e a pele do inerte. Aliviado, por saber a resposta sobre o barulho, desenroscou a pele e a calça e o moribundo deslizou-se para fora da carroça. Seguraram-no pelas mãos e pelas pernas e o levaram para beira do riacho. Meu avô tirou a roupa do defunto e meu tio ali olhando. Foi quando o meu avô falou para ele "tire a sua roupa fique só de cueca e entre na água" Para pega-lo já dentro da agua! Pois é leitor, nem deu tempo de efetivar a ação.
Apareceu um rapazinho chamando o meu avo para atender a viuva que estava passando mal. Muito solícito, ele largou o meu tio com o defunto e se foi! Eu entendo que o racicínio do velho era de que a viuva estava viva, por isso merecia a atenção primeira. O falecido já tinha caducado o cheque, então poderia esperar mais um pouco. Mas o diacho é que o defunto estava com o meu tio!!! E, com ele, nós já sabemos que alguma coisa de estranha sempre acontecia e ficava para história. Sabe leitor, tem gente que atrai problema, chama dívida, puxa como ímã qualquer coisa para ficar para a história e ter o que contar depois. O meu tio é um desses e como eu disse aconteceu mesmo!!
Arrastou o morto até rio. Nessa empreitada sujou todo o defunto no barro até entrar totalmente na água. Ele estava de um lado pele do outro barro puro. E meu tio que antes estava com medo agora estava cheio de coragem, porque a água já havia esfriado os seus nervos e o medo e a pressa já eram em demasia, mais que o suficiente para desvenciliar-se logo daquela situação. Lavar defunto era o que ele menos queria, mas já que estava foi-se. Já pensou quando todo mundo soubesse que ele era um lavador de defunto? Pensava ele, nem mulher acharia para casar! Olha que é o inverso do que ele pensava no início do fato na frente das moçoilas. As ideias já haviam passadas pelo filtro da razão e apontavam, agora, para a direção do entendimento das coisas de futuro. O que antes seria se mostrar para moçoilas, agora seria desaparecer para elas. É interessante o olhar da gente! Ele muda a todo instante. O Raul Seixas, o grande poeta brasileiro, que Deus o tenha!!! Já falava que o homem é uma metamorfose ambulante, muita gente ainda não entendeu a palavra do sábio roqueiro. Mudamos na aparência e até na opinião num metamorfosear perene a medida que o tempo vai passando!!
Ora leitor, deixemos o nosso poeta roqueiro e vamos seguir no nosso causo. Lavou o defunto com sabão de cinzas. Se você não sabe o que é sabão de cinzas leitor, agora você vai ficar sem saber e não vai saber, porque temos de andar logo com esta história, senão vamos atrasar o velório. Bem, terminou de lava-lo e pegou a pensar "como tiraria sozinho o defunto do riacho?" A experiência de arrasta-lo, não foi muito ajeitada na descida e na subida seria pior e ainda o sujaria todo e perderia o serviço. Teve uma brilhante ideia (eu tenho até arrepio dessas brilhantes ideias do meu tio) : deixaria o defunto em pé, assim um pouco arcado para trás, pegaria o corpo pela cintura e o colocaria nas suas costas e tranquilamente sairia dali carregando o finado. No plano A deu tudo certinho, porém não contava com o acaso e não tinha o plano B. Deixou-o um pouco mais arcado para trás. Nesse movimento de arcar para trás o defunto abriu o boca e o meu tio não percebeu. Quando ele fez o movimento para joga-lo nas costas, aí é que se deu o torcimento do rabo da porca. Os movimentos foram tão rápidos que num repente estava nas costa do meu tio. Ele só não contava que quando a cabeça fosse abaixando, este movimento fizesse o que fez: a boca do defunto fechou com os dentes na bunda do meu tio e com a arcada dentária deixou uma marca de despedida ou de raiva por tomar banho naquela manhã meia fria.
É mole leitor, um morto morder a bunda de alguem? Pois é! Com ele aconteceu!!! Nesse ínterim as pernas do meu tio amoleceram, os cabelos arrepiaram, as mãos se soltaram e lá se foram os dois de volta para água. Meu tio no afã do medo, as ideias, ainda com o susto e até mesmo sem entender, não tinham assumido os lugares no espaço da lógica. Até que as ideias e ele se recompusessem o defunto foi sendo levado pelas águas bentas do riacho. Quando João Carcule deu em si o defunto já estava indo para céu pelas mãos de São João Batista e nos braços do Rio Jordão. Aí é que a coisa ficou preta mesmo. O que falar para as pessoas sobre o que aconteceu? Acreditariam que o defunto mordeu a bunda dele? A lógica dizia que não!! Então saiu ele atrás do defunto pela barranca do rio. Esqueceu-se de que estava de cueca! Era o defunto pelado descendo rio abaixo e meu tio de cueca, na mesma direção, correndo pela barranca do rio pulando por cima dos matos e cercas.
Hoje é até normal encontrar pessoas de roupas tão curtas e até mesmo homem de cueca e mulher de calcinha na rua, mas nós estamos falando do sítio e de muitas décadas atrás, imagine como era conservador o povo daquela época! Deixemos de trelêlê e vamos na corrida dos nossos personagens. O meu tio correndo por fora e o defunto correndo por dentro. Isto aqui está mais para um Turfe do que para um causo não leitor? E meu tio perdia por um cavalo de vantagem. Sem menos esperar, lá na frente o rio se alargava e em seguida viria uma cachoeira. O meu tio não tinha percebido o que o futuro lhe reservara. Sentiu-se seguro e que dava, os cálculos eram perfeitos, pulou no rio e abraçou, com sucesso, o defunto, mas não pode conter a força da natureza, não havia calculado esse dado e foram arrastados pela correnteza e jogados castata a baixo e a pique.
Caíram os dois de cabeça e foram cada qual para um lado. Havia algumas mulheres lavando roupa naquele momento no rio, só escutaram o barulho na água, mas quando olharam, não viram nada, deixaram o barulho por não barulho. Eis que, o meu tio apontou a cabeça na flor d'água bem perto da roupa que uma senhora estava lavando. A mulher saiu aos gritos e tremendamente assustada, mesmo assim seus olhos viram sair da água um homem totalmente desconhecido dela e do bairro na sua frente e ainda por cima pelado!! Ainda o meu tio sem a consciência do estrito significado da palavra nu. Meu tio nem precebeu a mulher, tal era a preocupação com o defunto, nem percebeu que havia perdido a cueca no ralar do corpo nas pedra da cachoeira. A ideia era fixa no defunto. "Onde estará ele?" Era o seu pensamento! O vento esfriou a sua pele, daí pode então perceber o que estava acontecendo! Estava como veio ao mundo na frente das mulheres!!!
Entrou de novo e rapidamente na água para esconder as suas vergonhas íntimas e outras não muito íntimas. Só então explicou para as senhoras o que estava acontecendo. Disse a elas que os dois estava nadando e que o colega passara mal e ele foi socorrê-lo e deu no que deu! As mulheres então ainda meio ressabiadas, mesmo assim resolveram ajuda-lo naquela contenda e ficaram cada uma num espaço da bacia daquele piscinão natural na esperança de encontrar o cadáver boiando. Foi quando o defunto apontou a cabeça perto de uma senhora que garrou a chorar de céus em terra. Ela o reconhecera. A questão, não era muito antiga assim, de dois anos tinha sido o seu amante.
É leitor, se esta escrita está certa! Então podemos entender que quando a gente ama e o amor é realmente aquele verdadeiro sentimento, a gente não consegue embarcar para eternidade sem despedir-se do amor eterno enquando dure! Tem muito a ver com aquela fala de alguns " depois que eu morrer eu venho puxar a sua perna" Lembra leitor? É com certeza e por isso que aconteceu isso tudo e vou mais longe, chego até acreditar que o meu tio não é azarado, ele, apenas, estava cumprindo a sua sina na cadeia do amor. Foi somente uma questão de despedida amorosa. A partir daí, o fato virou notícia e rodava no ouvido das pessoa que nem zumbido depois de um estouro de rojão: o Sebastião tinha morrido afogado.
No arrazoar da batida, o velório foi um sucesso. A história da amante ficou escondida para a notícia, mas à boca pequena era um zunzunzun lascado. E para uma parte da polulação, a que acreditava no afogamento, o meu tio ficou sendo um heroi pelo ato de tentar salvar o amigo. A outra parte se contentava com a morte natural!!
A noite foi agitada. As figuras do bairro estavam todas presentes. Foi um acontecimento social. Não é sempre que se ouve sobre duas mortes com um cadáver só. E nesse vai-e-vem das coisas, já fizeram um jantar. Cada um deu uma galinha, um outro saco de feijão, um saco arroz para comer no velório que, de tanta gente, parecia um acontecimento tão marcante que já havia quem dissesse "antes e depois de Sebastião". Foi, como dizia Erasmo Carlos, uma festa de arromba.
Bem, a festa já e uma outra história! Por hora, vamos desarrear o burro da carroça, levar o meu avô e meu tio para casa e eu e você, caro leitor, vamos apagar o cachimbo ensacar a viola para olhar o tempo! Depois? Por um belo ponto final no nosso papo e fechamos a questão. Até a outra hora!!! Entro em contato aguarde!
(Santiago Derin)
Exercitar a leitura é alimentar o intelecto!!!