As cores do olhar de Rosa
Há uma linha de contorno cinza que segue infinita brotando do olhar de agruras e sem tradução da Rosa. Há também um fim de tarde no qual ela se debruça diante da própria visão, que entremeia tons de saudade e solidão. Tudo aportado num náufrago coração. Fundeado nas amarguras,ancorado na clausura.
Há palavras que as letras não escrevem que teimam em ficar atadas em nós na garganta que ninguém nunca vai saber. Ninguém precisa saber. É o próprio túmulo.
Rosa. O enxergar de um sonho que se desfez.
É fácil contar quando se vivencia a dor dos outros, difícil, quase impossível quando a dor é nossa, latente e sem fim. Uma ferida, um sangrar constante como salgar as chagas abertas, apimentar, aguçar uma dor irreparável.
Rosa. Um barco, uma urgência, um rio gigante em águas e mistérios, quase um mar entre ela e a salvação da pequena Flor. A salvação do mar. O mar sem amarras. Era um vômito atrás do outro, ardendo em febre, justo naquele dia que era dezembro, e as chuvas chegavam sem avisos e junto vinha um vento daqueles. O Zé não estava, tinha ido na roça, ver a plantação de mandioca e a Rosa, danada de corajosa pegou as duas meninas Rita e Rosalba, mais a pequena Flor, botou no barco, ajeitou direitinho as crianças a Flor no colo da Rita e acionou o motor. E lá se foram no meio do aguaceiro. Rosa. Uma viagem sem fim. Um rio para atravessar. Uma distração, o vômito da Flor, a febre queimando, a Rita agoniada, o vento, a chuva, o barquinho jogando, a chuva e o vento, a água entrando, Rita agachada tentando secar o fundo, Rosalba chorando. O vento e a chuva. O descontrole. O cinza.Vermelho. O acidente.
A Rosa tentou, mas não conseguiu. Rosalba botou o cabelo no motor. Como tantas nesse mundo de águas, mais uma escalpelada. Rosa. O desespero. As meninas. O sangue. A dor. O salvamento foi a tempo de não perder a vida, a Rosalba, o couro cabeludo arrancado o Rosto deformado. Viva. A Flor, a pequena e frágil Flor sem vaga na UTI da Santa Casa não resistiu. O Zé não se conformou, culpou a Rosa, arrumou as coisas e foi embora.
Lá na beira do Rio ficou enterrada a Florzinha, Rosalba vive no hospital, demora a recuperação, a Rita ta nervosa e perdeu o ano na escola. Mas é ela quem ajuda a Rosa que restou sozinha, que entristeceu e a luz do dia não vê mais.
A Rosa. Passa os dias de olhar perdido, como se visse um algo que não se pode entender. Os médicos da cidade já disseram que é uma cegueira irreversível, mas não conseguem dar conta da razão. Dizem que as dores seguidas roubaram a luz, a cor, para deixar completa de solidão a Rosa.
Não ver e morrer um pouco, não enxergar a falta do Zé, o negro do olhinho da Flor, o sorrir alegre e farto de Rosalba. Um único escutar, o ruído das águas. Apagar a saudade da retina. Inexistir. Um viver no vazio. No amplo da desesperança. No faltar sentido transcrito na ausência de tons, texturas, formas e brilhos. Ausente de existir. Viver negrume.
CEGOS: somos todos nós, quando a nossa dor fecha-se em si e o nosso coração não se abranda ante a irrecuperável dor dos olhos alheios. Esse retrato em tons esmaecidos vivo apenas pelo vermelho do sangue e diluído no sal dos nossos olhos é real aqui nesse mundo de volumosas águas.
Escalpelamento é um acidente bastante comum entre as mulheres ribeirinhas da região Amazônica.
Adendo:
Escalpelamento é o arrancamento brusco e acidental do escalpo humano, de diversas formas, inclusive por motores dos barcos.
É um problema muito recorrente na Amazônia brasileira, despertando até a atuação do poder público e de ONGs, que estão com projetos para desenvolver uma proteção barata ou gratuita para os barcos a motor, a fim de evitar a repetição de acidentes desse tipo.
O acidente ocorre quando as vítimas, ao se aproximarem do motor por acaso, tem seus cabelos repentinamente puxados pelo eixo. A forte rotação ininterrupta do motor ao enrolar os cabelos em torno do eixo, arranca inexoravelmente todo ou parte do escalpo da vítima, inclusive orelhas, sobrancelhas e por vezes uma enorme parte da pele do rosto e pescoço, levando a deformações graves e até a morte.
Informações adicionais obtidas através da Internet.
Texto inspirado no Romance do excepcional escritor Daniel Leite, intitulado “GIRÂNDOLAS”.
[size=large]Citando:
A felicidade é branca... O amor tem matizes que nos fazem ver o infinito..
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O desejo de escrever persiste, por vezes em tons felizes, vibrantes cores, outras em tons pastéis. cor de pérola, mas o que importa é que não há r...