Naquela misteriosa noite
Sob as intensas luzes do bar
Cruzámos o sorriso…
És lindo!
Soubesses os castelos que inventei
Com o teu corpo…!?
Quantas pedras sobrepus
Para me derreter no teu calor…!?
Em quantos veleiros naveguei
Pelas águas cristalinas
Dos teus doces lábios sensuais…!
És lindo!
Na mesa onde consumia a música
No rubro uísque com gelo
Falámos da arte num poema.
Eras uma ode trovada à alma!
Também escrevias…
Também vagueavas pelas sombras
De braço dado com a solidão
À porta dum espelho com o reflexo do mundo.
Também mordias a sensualidade dum verso
Num mosteiro de adultério
Tão enclausurado quanto eu.
Num impulso frenético
Nossos lábios arrancaram às palavras
Um profundo e húmido beijo…
Depois
Como dois pássaros que recolhem ao ninho
Voámos para tua casa
Na asas da pressa de nos termos.
- Ficas comigo esta noite? – Perguntaste.
Quem deseja partir
Quando o amor se aninha nos sentidos?
Nessa noite
Como dois selvagens
Perdidos num matagal de luar
Entregámo-nos nos braços do delírio
Até o sol raiar na janela do ósculo
Aveludado salivado
Expandido pelas nossas sequiosas bocas.
Nessa noite corremos as cortinas da paixão
Com um longo suspiro de desejo
Envolvemos nossos corpos suados
Numa miragem alucinante e real
Depois adormecemos nos braços do cansaço
No travesseiro do prazer.
Quando acordei
Sentado a meu lado afagavas-me os cabelos
Como quem acaricia
As pétalas aveludadas duma papoila.
- Queria tanto ficar contigo…! – Murmuraste.
A tua língua perdeu-se no meu ouvido
Os dentes amarrotaram-me os ombros
E eu enlouqueci…
Mais uma vez nas asas dum prazer maior que eu
Desvendei horizontes em regatos verdejantes
Abri a volatilidade do peito
À tua insana e maravilhosa fogueira
Amei como só os loucos sabem amar
Gozando de uma liberdade sem preconceitos
Onde o único preceito
Era a nossa imensa vontade de dar!
Depois sorri…
Sabia que ias partir pelo dia adentro
Para bem longe do lume que nos queimara
Que eu ia ficar
Deitado sobre o braseiro desta noite
Com tanta vontade de ir…
Prometi esperar-te diante da porta do mesmo bar
Com um arco-íris na lapela
Uma rosa vermelha despontada entre os dedos
Como símbolo de uma Ceuta cuja glória
Apenas justificaria o regresso de Fernando!
Se um dia voltares
Talvez me encontres sentado na mesma cadeira
Ansioso por cruzar as nossas sombras
No copo que ferve a cada trago quando o seguro
Nas notas soltas das colunas da minha voz…
Talvez um dia
A tua voz me enfeitice de novo
Talvez um dia
Mergulhe de novo na avidez do teu céu
Talvez um dia
Com o mesmo machado com que nos amámos
Destrua a solidão que dorme na minha cama
Volte a sorrir diante da ansiedade
De te ter perpetuamente em mim.
Talvez um dia
Construamos um ninho de harmonia
No cimo dos nossos corpos esfregados
Suados
De tanto e tanto arderem
De tanto e muito se entregarem.
Quem sabe
Se o amor não baterá de novo à nossa porta
Não nos empurrará pelos caminhos
Dos seus misteriosos desígnios
E sem que demos por isso
Nós
Incrédulos e desatentos
Não mergulharemos no sangue um do outro
Não nos consumaremos no mesmo leito
Onde o perfume dos lençóis preparará um elixir
Com o fluidos que espigarem do cansaço
Não adormeceremos no travesseiro do sol
Que ainda guarda no sono passado
O suor latejante com brindámos à vida?
Talvez um dia, amor, quem sabe…?
antóniocasado
Inserido no projecto Escrito ao Luar
17 Setembro 2009