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Máscaras ou a carta que um desses "eus" me ditou

 
 
Tenho um baú cheio de máscaras
São todas invisíveis
E fascinantes

Uso-as quase sempre
Uma a uma
Quando dou vida a outros "eus"

"Eus" que vivem dentro de mim
No lado oculto do meu rosto
Talvez no meu inconsciente
Não sei bem...

Porque nem sempre
Sou aquilo que escrevo

Quando imagino
Quando invento
É sempre um "eu" diferente
Que me dita
E eu
Vou escrevendo...


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E foi precisamente um desses "eus" que me ditou a seguinte carta:

Houve um tempo em que fui tua.
Não sei se algum dia chegaste a ser meu, visto que a tua presença física, só acontecia porque assim o obrigava o desejo do roço da pele, do sentir por inteiro aquilo que alguns chamariam de fazer amor mas que para outros não passaria de um mero encontro sexual onde apenas se trocava sexo por sexo e nada mais do que isso. Mas isso não conta, bem sei... não conta. Ainda que no meu sentir (que tudo fazia por esconder talvez por medo de perder as poucas migalhas que me oferecias de vez em quando) as coisas não se passassem bem assim. Por isso, no meu imaginário, foste meu, sim!
Lembro-me como se fosse hoje, quando me ia deitar e antes do sono chegar, permitia-me visitar-te no teu mundo que a minha imaginação criava. Inventava instantes nossos que eu queria tornar reais a qualquer custo, mesmo sabendo que o não seriam, nunca. Mas era desta forma que eu gostava de te sonhar, que eu gostava de te ter dentro de mim e levar-te comigo para onde quer que fosse. E tu sabia-lo tão bem... mas também sabias como costurar com mestria aquela espécie de encantamento que me mantinha enfeitiçada, como se quisesses manter em banho-maria uma espécie de sentimento para o qual não existia nome, mas que ambos conhecíamos desde o dia em que aconteceu aquele encontro impulsivo e que tornou em realidade o que antes(pelo menos na minha mente) era impensável.

Errei na minha condição de triste ingenuidade inocente ao acreditar que seria alguém especial para ti... por me contentar com as migalhas que me oferecias aquando dos nossos escassos encontros, secreta e propositadamente fortuitos. E ainda por nunca reclamar por tão pouco, sabendo tu, o que eu sabia, do tanto que davas às outras...
Aquelas que não te largavam e às quais davas deliberadamente toda a liberdade para que te ligassem a qualquer hora, não te importando com quem atenderia o telefone e tivesse de te chamar. Mas era eu! E de cada vez que acontecia, era sempre com um nó na garganta e uma ferida enorme dentro do peito, que o fazia.
Então, fingia que nada sentia enquanto esboçava um sorriso que se contorcia dolorosamente por cada guinada que a alma gritava.
Fui tola, reconheço-o. Porque afinal, no fim, a recompensa foi o ciúme que nunca antes fora chamado às nossas conversas, embora ambos soubéssemos que ele existia, lactente e manhosamente oculto entre as dobras do tal sentimento sem nome.
Proibi-me de tantas coisas só pelo prazer de te poder ter por breves momentos, alimentando assim a paixão que me consumia e me corroía ao mesmo tempo.
Hoje somos só mais dois estranhos que se evitam e se comportam como se nunca antes se tivessem visto em lado nenhum.
Os comportamentos do bicho homem, por vezes, são tão estupidamente estranhos. E pergunto-me porquê, mas sei que não obtenho qualquer resposta cabal, nem tua nem de ninguém, que satisfaça a minha patética indignação.
Silencio-me e faço de conta que nada sei também, deixando que cada um tente encontrar as suas próprias respostas para as questões semelhantes que eventualmente lhes invadam a consciência e lhes exijam razões para as inerentes verdades com que se defrontem e das quais não tenham como se escapar.


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 24/05/2010 11:14  Atualizado: 24/05/2010 11:14
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8112
 Re: A carta que um certo "eu" me ditou
Parabéns pela carta tão cheia de sentimentos humanos e palavras a descrever de forma excelente realidades de tantos.
Beijo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/05/2010 17:21  Atualizado: 24/05/2010 17:21
 Re: A carta que um certo "eu" me ditou
Excellente "ditado" este teu "EU" está inspirado, lindo! (a rima não foi proposital)