JOVENS FARDADOS, ARMADOS, E FÃS DO ROCK AND ROLL
(Luc Ramos)
Eu ainda era um menino, 18 anos, quase 19, e agora estava em um avião Douglas com mais 29 soldados pára-quedistas da PA (Policia da Aeronáutica) e armados até os dentes com munição de verdade, até então só havíamos atirado com balas de festim.
O bi-motor Douglas parecia uma banheira voadora, os instrutores nos haviam dito que esse tipo de avião, tinha uma sustentação fantástica,caso parassem os dois motores, o Douglas continuaria voando como um planador, na época (1964) ele era o melhor.
Eu não parava de bocejar, o meu relógio um Cartier quadrado que o meu tio havia me presenteado por ocasião da minha passagem para a maioridade, mostrava que eram 5:00 da matina, por uma pequena janela arredondada do avião, eu percebia a cor alaranjada do sol surgindo, sinal que já estava amanhecendo.
Tudo começou algumas horas atrás, nós estávamos dormindo no nosso alojamento, no Campo de Marte, no quartel da PA aonde eu estou servindo há um pouco mais de 12 meses, quando um oficial entrou no alojamento e sem que o próprio soldado que estava no local tirando serviço se interasse da sua presença,ele em altos brados gritou—Alojamento,Sentido! O soldado Neto que estava de plantão no alojamento estava em correta posição de sentido ao lado do Tenente Claudio que era o nosso instrutor de salto de pára-quedas. Eu tenho o sono leve, mas, como faço parte do time de futebol do quartel estava quebrado, depois do treinamento técnico e físico do dia anterior.
De cuecas e camiseta azul barateia, com uma asa desenhada no peito, fiquei em pé ao lado da minha cama em posição de sentido. Sem estar com cobertura, fiquei como era o praxe, posição de descansar e as mãos espalmadas nas coxas. Logo, todos os outros soldados estavam como eu, firmes e ao lado esquerdos da cama onde estivemos dormindo. Em nosso rosto, uma cara de sono danada, e nos olhos uma pergunta: O que estaria acontecendo?
O Tenente Claudio, em altos brados nos disse: -- Pelotão, os soldados que eu for chamando, venha para este lado, vistam-se imediatamente o seu uniforme de campanha e, sigam para o Material Bélico para se arma-rem,rápido e rasteiro, e olhem, muito cuidado a munição não é de festim, é verdadeira.
Começou então a fazer a chamada e entre outros nomes ele citou o meu : Cabo Lucas. –Presente! Senhor!
Em quarenta minutos, ou um pouco mais de tempo, estávamos embarcando em um caminhão protegido por lonas, sentados em bancos laterais e armados até os dentes.
Não ousamos sequer olhar para os lados, nos colegas sentados a nossa frente podíamos que em seus olhos assim como nos nossos, eles tinham apenas um olhar de indagação: Aonde será que estávamos indo? Um pequeno frio percorria a minha espinha.Medo? Talvez!
Depois de algum tempo um dos soldados, que estava mais perto da entrada do caminhão, que tinha como porta na carroceria uma lona, entre sussurros nos disse: Estamos indo para Cumbica, para a Base Aérea de Cumbica, eu conheço este caminho.
Ficamos em silencio, nenhum comentário. Se nosso destino era a Base Aérea de Cumbica é sinal que íamos embarcar em um avião, por isso pai-rava no ar, apenas uma muda pergunta, para onde estaríamos indo? Fazer o que?
Já na pista, vimos um avião taxiando, era um Douglas, avião próprio para ser usado por pára-quedistas. Um Coronel, chegou em um jipe acompanhado por mais dois oficiais, um Tenente e um Capitão, que logo foi avisando:
--Soldados, estamos indo abafar um motim, depois, quando estivermos sob o local, vai nos ser dado o sinal, a luz vermelha como vocês bem sabem, todos aqui já saltaram varias vezes de para quedas, e sabem como se portar ao aterrissarmos em terra. –Só para não haver duvidas, quando todos estiverem no chão, vamos nos reunir ao comando do Tenente que ira saltar com vocês.—Alguma duvida? Nenhuma? Então boa sorte a todos.
Depois já em terra, pelo menos com toda aquela escuridão podemos observar que estávamos em um campo, talvez de golfe, pois era todo gramado, sem arvores por perto, tínhamos caido bem no alvo, se bem que a noite estava enluarada, o tempo com uma temperatura amena e sem ventos, foi para nós uma madrugada de encomenda.
O Tenente com o auxilio do sargento Max, fez a chamada, e estávamos todos ali, trinta jovens esperando as ordens de comando para uma missão, que até agora não sabiam qual..., nem o objetivo.
--Soldados, nosso alvo é um grande casarão logo ai na frente, depois daquelas colinas, essa construção que já foi um Mosteiro esta servindo de Quartel General, para uns soldados amotinados, eles são sargentos, e entre eles também estão alguns cabos e soldados, nosso Comando deu a eles uma ordem para que se rendessem e eles não fizeram o combinado, por isso, se eles não se renderem a nós, eu darei a ordem de FOGO e,vocês já sabem o que fazer, foram treinado para isso, e não esqueçam, se eles não se renderem, eles estarão sendo inimigos da pátria, e quem é inimigo da pátria é nosso inimigo. Certo? Pelotaãao, em frente!
Tudo bem, ordens são ordens, nos ensinaram que no militarismo, além da pratica bélica e dos jogos de guerra, um velho ditado, pode ser de grande valia, é o seguinte: “Manda quem pode e obedece quem é inteligente”.
Será?
Ora, não sei o que estava acontecendo, porque eu teria que atirar em alguém, brasileiro como eu, no meu próprio país, o que será que esse alguém fizera?
Ninguém nos dizia nada e, nem ousávamos perguntar…éramos-nos apenas uns garotos fardados, umas marionetes comandados, com muita adrenalina para ser queimada e mais nada! Ainda bem que não houve resistência.
Os amotinados se entregaram ao nosso oficial comandante, e tudo terminou em paz, pelo menos ali, naquela hora, e naquele lugar. Ótimo!
Depois, muito depois, fiquei sabendo que tínhamos saltado de para quedas no Rio Grande do Sul, que rendemos algumas dezenas de sargentos rebelados, cujos lideres, pretendiam um movimento contra o Presidente Jango Goulart, nosso presidente na época.
Invadimos o tal quartel, sem um tiro, e prendemos todos os soldados que tentou o levante. Escoltamos esses dissidentes de caminhão até uma cidade próxima onde tinha um aeroporto, embarcamos em um avião militar de carreira que nos levou até o Rio de Janeiro onde os capturados ficaram pre-sos em um navio-presidio, na baia de Guanabara e era dia 13 de Março de 1964.
Mas, o que sabíamos nós de política? A gente curtia rock roll, jovem guarda, cuba-libre, e muitas garotas...
Nós eramos apenas, uns jovens fardados, armados e fãs do rock and roll…..
FIM (By Luc Ramos)