. façam de conta que eu não estive cá .
eu dizia da espera que ela havia de te embaraçar os cabelos, que estes se haviam de se tornar novelos, que estes últimos, por sua vez te haviam de enrolar o corpo, até seres obrigado a esperar, numa meada, que alguém te viesse buscar. ora, se assim eu dizia, e assim eu fizera, a espera conduzia à espera, ou vice-versa. e enquanto o dissera também eu esperava e, sem me dar contar, em mim também se enrolavam os cabelos com o tempo. e sendo eu tempo, ainda que não o tendo, ia apartando de mim os espaços, as memórias, os trajectos do rosto, a emoção. então: tu ias e vinhas como uma imagem recortada em pedaços, de onde a nitidez fugira há muito, quando sem espera ainda havia tempo para te recordar as feições internas do corpo. e é no interior destas lembranças, quando à espera ainda da espera consigo retirar alguma memória, ainda que pequena, que vou, no contrabalanço da imagem, recordando: primeiramente os teus olhos, depois o nariz, a boca e por fim, como se de um milagre se tratasse, tenho em mim, rente ao corpo, o teu. e é no surgir intenso que te moves, ganham força os teus braços que me abraçam e, no calor da pele contra pele, já antecipo o beijo. como se a espera, ou o novelo, ou a meada, sem querer te tenham encontrado, dentro do peito, no sítio onde te perdi.