“Sabes, Cecília, guardava as tuas redacções, não sei por quanto tempo as guardei. Palavras proferidas pelo meu professor da primária de nome Augusto Dias; “
Em 1975 Portugal cheirava a cravos, Grândola Vila Morena por todo o lado, quando finalmente piso o solo de minha Pátria, ainda vivendo uma época de grandes mudanças… (mas isso é outra história); Senti grande emoção, ao rever antigos caminhos, afinal, ainda estavam tal e qual quando os deixei. A minha aldeia querida, tão cheia de belezas naturais. Ao passar no largo de Alumieira, (ali estava minha antiga escola primária) ainda se ouvia o mesmo alarido infantil era a hora do recreio como nos velhos tempos. Um pouco hesitante, entrei; afinal, era ali que deveriam estar os meus professores, será que ainda se lembravam de mim? - Sabia-os ainda ali. Era emocionante estar de volta, afinal, era o local que considero o eixo de minha vida, amizades de infância enraizadas … nunca esquecidas. Serão motivo de conversa pela vida afora por mais longa que seja. Apercebi-me então o quão é importante a nossa primeira escola! Será mesmo uma segunda família de corpos dispersos e alma unida.
Estando ainda na mesma residência, (residência agregada à mesma escola) desde 1961 data em que emigrei para o Brasil. Augusto, conhecera Mafalda, uma vez que trabalhavam bem ao lado um do outro; Naquele tempo, havia separação de meninos e meninas, aquele, pátio de recreio, mágico, (a rigidez das aulas, deixava-nos ansiosos pela hora do recreio). Um grande muro e não as sebes… nos separavam dos meninos, de onde só se ouviam as vozes. Augusto Dias, dava aulas aos meninos, Mafalda era professora das meninas. Não foi difícil nem longo o tempo, entre, o namoro e o casamento. Os professores se casaram; tiveram três meninas, éramos como uma família. Vimos os primeiros passos, as primeiras palavras…sentia-mos-nos como irmãos das pequenas … bons tempos… para recordar.
Naquele dia, fiquei imensamente feliz quando da visita que fiz depois de tantos anos, espontaneamente, professor Augusto Dias, declarou serem as minhas redacções, naquela época, bem escritas, razão pela qual, as guardava, não imaginava até então esse facto. Facto que me deixou um bocadinho vaidosa.
Depois de algum tempo, férias terminadas… as saudades saciadas e revisto o passado, já de volta ao país de acolhimento, recomeça a rotina: - trabalho casa, casa trabalho; nas horas vagas, ainda havia tempo para um célebre chá, eu e minha amiga Célia não dispensava-mos esses que considerava “fragmentos do tempo”, descobrimos que tinha-mos algo em comum, havia uma grande cumplicidade irmãmente partilhada.
Nessas conversas, entre uma bolacha e outra … descrevo a minha viagem de férias, a Portugal, minha visita aos meus antigos professores. Um pequeno comentário sobre o meu passatempo preferido, na época, escrever meus momentos, os maus e os bons, arrimando um punhado de versos dentro da gaveta.
Para quê? - Pergunta Célia. – Para minha recordação, respondi.
Maravilhoso! Amiga … já pensou em escrever um livro? – Não, nunca pensei nisso. – Não creio tenham valor literário para tanto! (até então desconhecia a “Edição de autor”)
Célia, vivia na mesma cidade e no mesmo prédio que eu. Também como eu, de nacionalidade portuguesa.
Em nossos encontros para o chá, surgem longas conversas, recordações, Célia tem muitas estórias interessantes e curiosamente, dei comigo a descrevê-las. Fiquei um pouco surpresa comigo mesma, pois até então apenas a Poesia me suscitava interesse.
Bem, talvez, tudo seja apenas uma questão de começo. Juntando todos os fragmentos de uma vida com muitos factos interessantes, onde uma mulher lutadora, optimista, (em suas narrativas fica bem claro a serenidade e a preserverança), concatenadas com toda a paciência do Mundo, objectivos definidos, mesmo de sã consciência de que não seria muito fácil para conseguir alcançá-los. Respira fundo, segue em frente sem desviar uma linha das que traçou para o seu futuro, sem arredar pé de seus objectivos, Célia pacientemente, movida por uma grande força interior nunca desiste. Tem todo o tempo do Mundo para conseguir o que almeja! Defende com unhas e dentes, o direito à vida e um lugar ao sol.
Cecília Rodrigues