Aqui estás,
doce Monalisa,
desafiando nossa ignorância
desfilando tuas dores, febres, calafrios
Alva qual princesa do Ártico
A pele seca e quente a perder calor
Cobrindo teu corpo brasileiro de penúria e fome
Não estás nas capas de revistas, nas telas
Estás aqui no leito, vieste como tantas da favela
Nos ventres da gravidez na adolescência
Teu nome é de artista, célebre pintura
Trazes no corpo desnutrido a marca da cruel vida
Do leite e pão que te é negado, da carência social
Se escapas - espero que sim, viver é resistir
Seguirás pelos terrenos íngremes, poluídos
Em peregrinação pelo pão de cada dia
Amanhã estarás nas ruas vendendo balas
Fugindo das escolas onde não passarás de ano
Até repetir o ciclo da gravidez em tenra idade
Como interromper esta caminhada?
Mantendo a vida pra ser assim tão sofrida?
Ou, sucumbindo inda anjo e subindo da favela aos céus?
Nossa missão é ajudar-te a superar cada infecção
Chaga aberta no tecido social
Que macula a nação de forma inexorável
Monalisa, este teu sorriso inocente
Contrasta com os discursos demagógicos e postura indecente
Dessa gente sem escrupúlos que manipula os pobres nos escrutínios eleitorais...
AjAraújo, médico e poeta humanista, escreve sobre a criança que simboliza uma verdadeira tragédia nacional - a desnutrição e abandono de nosso maior patrimônio: nossas crianças (e não importa de quais ventres ou classes sociais que as tragam ao mundo). Escrito em Outubro de 1979.