Derrapo a bebida do copo
numa lembrança em que me sustento.
Na cova da língua
ziguezagueiam sedes e enjoos
e vou bebendo sem magoar
o vermelho dos olhos.
De trago em trago
o álcool ergue um império
com o peso que o corpo dá...
despisto a lucidez dos gestos
e a boca, cada vez mais farta de beber
e cada vez mais sedenta de não parar!
Sinto que me esvaio
por sinas medonhas.
No desvario do drama
tento parar de me encharcar
e procurar os bocados de mim
que fui deixando cair
nos copos que vazava
sem lhes ungir o sabor do líquido.
Sinto que os travões partiram
já em dias idos à algum tempo,
desgraço-me em surdina
mas não há táctica que fizesse a alma
já bêbada rebuscar forças que bastassem...
Acuso a metade culta do meu corpo
por não ter lutado a outra metade,
onde a vida é uma daninha beleza
que vislumbra apoteoses
e sequiosas barbaridades.
Singram-se turbilhões
que depois balançam comigo
até que se cansem de bailar
e acalmem fartos de erupções
fugindo às larvas da tristeza
... no entanto, do mau momento
bebo outra, a tal última bebida
que todo o bêbado diz
ao sugar o primeiro trago...
Vidrado no tremer dos dedos
degolava a liquidez do vazio
e impróprio para a vida,
cambaleava iluminado pelas candeias
que via, falsas, sem notar.
E num lugar destes
onde tudo se bebe e amantiza
chega sempre alguém mais atrasado
que paga com a alegria bêbada
que trazia como adorno.
Belisco algumas palavras
na inércia da voz,
a rouquidão do pensamento
tossia tonturas ao fígado,
e pelo fim da noite
já somos irmãos
e falei ao álcool que me ouvia
do meu cambalear
... uma só passada eu dei
e todo o movimento foi um samba.
Aquém dali, outros eram tangos
e valsas vizinhas
- àquela hora da vida,
já somos qualquer coisa, qualquer nome
e qualquer lugar nos serve!