- Para o pai a doutrina da igreja e a mensagem bíblica correspondiam a uma ideologia de uma organização e a igreja era essa organização. Ele não era fervoroso adepto da ideologia e menos ainda da organização. Era mais facilmente adepto, embora nunca tenha sido militante, de um partido político.
- A mãe não vivia na igreja como quem vive num partido político. Os seus princípios de acção e os seus critérios de vida não eram dirigidos à realização de sentidos e de objectivos políticos e económicos. E, se se pode falar numa cultura e numa moral cristã, para a mãe o importante não era isso. Ela não baseava a sua acção e a sua conduta em argumentações meramente racionalistas acerca do interesse e da eficácia dos actos. A motivação dela, além da natural motivação de todos nós, biológica, social, cultural, estava no amor. Não somente na crença de que o amor é um fim em si mesmo como também no amor que ela sentia e vivia. Lembro-me de um dia ter tentado explicar-lhe o que era o absurdo. Ela ouviu-me atentamente e, no fim, resmungou «hmmm, o absurdo é um problema da cabeça do Homem, na realidade não existe. O absurdo é um nada. E o nada não existe».
- Essa afirmação não era um bocado dogmática? – interrompi.
- Creio que não. É uma afirmação que corresponde a uma evidência. Afirmar a existência de nada é uma contradição nos próprios termos.
- Por que dizem que a igreja é dogmática? – insisti.
- A igreja católica não está, nem poderia estar, edificada sobre probabilidades, ou hipóteses, por exemplo, de Deus existir. Ela está edificada sobre verdades absolutas. O grau de convicção ou de fé de cada cristão em relação a essas verdades será variável, maior ou menor, mas não nulo. Essas verdades absolutas são dogmas porque ninguém as põe, consistentemente, em causa. No momento em que isso acontecesse, deixariam de ser dogmas.