Tanto se faz, tanto se vê
Tudo em nome de uma trilha sonora
Em nome de um tom invisível que colabore com nossas inspirações maquiavélicas
Tudo em nome de qualquer coisa inominável que nos marque como ferro quente.
Vez ou outra somos violentados por nossos pais.
Não raramente
Uma brisa singela
Se arrasta como que numa câmera lenta inconcebível
Em que o tempo espirala sobre si mesmo e os pássaros cantam como se seus hálitos fossem eternos.
E queremos sempre mais
Mais gozo, mais impaciência
Mais pele, mais pêlo, maior apelo, maior zêlo
Quero sempre melhor
Melhor sempre mais
Mais sempre melhor.
E escorro de olhos cerrados por estas teclas tão tão reais
E uma antiga música se me faz tão nova -
Tão nova quanto cada banal amanhecer
Quanto cada teste que é cada banal crepúsculo
E sinto meus dedos prestos como tentáculos agarrando a imensidão da dança
E a precisão do ritmo me arremessa ao âmago de mim
E respiro um pouco mais sábio
Um pouco mais amargo
Um pouco mais soberbo.
Sou um novo eu, o espírito, o corpo e o pensamento
Sempre um novo eu
Eu mais eu melhor eu sempre -
E morre-se porquê há de se morrer
Com ou sem porquê, se há de...
Mas enquanto isso tantos timbres
Sinos bandolins tambores
Enquanto isso beijos tímidos e inescápaveis
Abraços longos e estranhos
Tão longos e tão estranhos que já não se parecem mais com abraços
Ficam no ar como uma coisa longeva e bizarra que só pode acontecer entre dois seres demasiado longevos e bizarros.
Como eu e Deus, cá agora
Eu e o cosmos todo me ouvindo -
Eu falando no tique-taque parasincrônico do teclado digital
Gélido como o coração da Vida
Nú e de roupas
Como um rei sem súditos, rei de mim, ao menos
Como um camelo sedento, amante do infinito do dia, aspirante ao proximo oásis, à próxima miragem.
E luto contra a madrugada
Como luta o orvalho contra a relva
A borboleta contra a negritude do céu sem lua
As incontáveis estrelas contra o contrapeso delas sobre elas mesmas
Meu coração borbulhando magma controverso contra o id ego superego.
E implodo em clímax inesperado
Um zilhão de purpúreos magentas vociferando tranquilos os discursos do medo irracional
A delicadeza do sexo
O relaxamento estimulante da cura indevida
A cadência do tormento alegre de estar-se desperto
A voluptuosidade sonolenta da força inexpugnável
A sapiência terna paterna da taberna
O constranger-se no rodopio do samba
O querer querer-se a si se querendo a si
O querer querer
Querer saber querer.
Domar o leão em pura alienação
Temer à picada da abelha, não pela dor, mas pela morte da pequenina...
No fundo deste texto repousa algo
Que eu quero desenterrar
Que não sei bem o que é, mas que sei estar enterrado clamando ser exumado
Talvez uma expiração que notei e indevidamente desconsiderei
Ou saber que meu sangue tem gosto de romã
Ou que quero ter quarenta e duas esposar e tomar sopa de ventre toda noite no jantar
Ou que fazer música é como escovar os dentes na hora certa
Ou que conquistar o mundo é como tentar desenterrar qualquer coisa que não se sabe bem o que seja...
Que poderiam importar todas as palavras frente ao vital contrair-se em paixão arrebatora?
Que poderia importar toda história de caos, niilismo e pecado frente ao contemplar-se único e natural?
Que poderiam importar todas as irrelevâncias e discrepâncias da modernidade frente ao sopro de John Coltrane?
Quem poderia se importar com qualquer coisa tão estúpida e ridícula quanto a própria infinitude?
Quem leria nestes versos prosados o prazer do que mais prezo?
Quem entenderia a fugidia noção de se estar vivo e adormeceria em alívio?