"Vivam os homens que enganam a sociedade
Com um sorriso idiota nos beiços finos
De fumarem longos charutos havaneses
Beberem velhos brandes em cálices de cristal
Ruminarem nos cadeirões de pele o ócio escroque
- Comerciantes de carne humana!”
Estou confuso…
Sinto-me um estranho diante de mim…
Só o vento por caridade vem ao meu encontro e belisca o corpo
Para me dizer que estou acordado!
Um torpor estranho sobe-me pela espinha
Dilacera mente carne nervos tudo
Deseja que compreenda o ódio...
Sento-me ao lado dos jovens perdidos que enrolam marijuana
E esperam no banco de jardim que a nova ordem Ariana chegue
Para serem os primeiros a curvar-se numa obediência decadente.
Expandem o ódio pela pontas das unhas ressequidas!
Vomitam a verborreia indecente que a suástica ensinou!
Gritam ao vento que a raiz do pensamento é absurda!
Ordenam às prostitutas que se entreguem ao desvario do escarro!
Partilham com os chulos o saque da noite!
Afirmam-se ao mundo super-heróis da estupidez
Como cães raivosos treinados correm desenfreados atrás dos pneus dos Mercedes!
Rastejam como as cobras pelas ruas enlameadas de navalhadas!
Sentem orgulho quando os perfis enojam quem passa!
Glorificam o clube dos assassinos e dos ladrões mortos!
Erguem altares com toalhas suásticas em forma de adoração
E juram amar a humanidade até ao limite da morte pelo ódio!
Sinto agora o ódio crescer pelas veias como sangue...
Já sou o ódio!
Vinde a mim esconjuros da verdade falsos profetas cínicos!
Vomitai discursos de paz numa braçadeira SS posta ao pescoço!
Satisfazei-me com o ultraje de uma portada de Auschwitz!
Fartai-me de orgasmos com balões de gás mostarda!
Que o sangue dos judeus derramado me afogue de espanto e raiva e ódio!
Que a marca do chicote no meu rosto fique visível aos olhos do mundo!
Que um clamor orgíaco se erga do céu num acto de clemência por mim!
Morram os incrédulos obcecados pela pilhagens!
Morram nas mesmas masmorras em que vegetam!
Rezai sobre o que restar do meu corpo orações satânicas
Com os braços estendidos em forma de canhão ou ruína!
Destituí os homossexuais e os comunistas do pedestal da ideologia!
Que sobre o meu sepulcro uma coroa de flores e esperma seja ícone
Em memória de Adolf, Mussolini, Salazar, Franco, Pinochet, Ferdinando, Pahlevi
E todos quantos ousaram torturar o seu semelhante apenas para sentirem uma erecção!
Que morram os que me condenam para que possa bailar a polca sobre as suas campas -
Assim esquecerei o tempo em que fui tão medíocre quanto vós!
Enforquem-se nas cordas da vergonha de terem sido sempre honestos -
Só o vosso desmembramento satisfará a minha sede vampírica e doente!
Que os princípios se diluam na acidez da estupidez de usá-los!
Que me intoxique da vossa cabidela até ao fim dos meus dias!
Que a vossa escravatura seja o cigarro, o álcool, o café, a droga!
Que maior mal me podereis causar que o desprazer de vos aturar?
Orai comigo bando de imbecis viciados na democracia lunáticos da liberdade!
"Senhor meu deus em dia de folga
Obrigado por me presenteares com tanto veneno
Ajuda-me a digeri-lo a cuspi-lo a mordê-lo
Reparte por todos os companheiros tal manjar de vómitos e paladares
Para que todos unidos pelo mesmo ódio
Confraternizemos na tua santa paz
Nos claustros de Santo Ambrosiano...
nunca se esqueça de nós... Amém!
Ah como me contento quando vejo as crianças caírem estropiadas nas câmaras de gás
Apenas para que sinta pena delas e dos pais delas e das mães delas e dos irmãos delas
Apenas para que não empurre à forquilha os seus corpos para as valas comuns
Onde lhes retiro o que pudesse restar de algum vestígio esquecido de dignidade!
Que alegria quando o trabalho escravo as verga, as consome, as mata
- Só lamento o desperdício…
O desperdício das pás que abriram aqueles buracos até terem gasto o ferro fundido!
O desperdício daquela terra que não pode ser lavrada por homens chicoteados!
O desperdício de tempo que desperdicei vendo-as tombar para meu deleite!
Mas há sempre um robot humano que se verga quando eu passo e morre por mim...
Nenhum holocausto será tão grandiosamente grande como o meu!
Nem deus com Sodoma, Gomorra, Glaciação ou o mais que matou
Conseguirá o romantismo das minhas brilhantes e expressivas execuções públicas!
Num abrir e fechar de olhos o mundo verde terá a cor do sangue
O cheiro do meu esperma impotente e podre a correr como um rio sobre tudo o que for vida!
Ah que romântico ver o desespero do medo no olhar das mulheres famintas
Que se arrastam com os filhos ao colo pelos caixotes do lixo à procura de comida!
Que romântico vê-las limpar os caixotes e lamberem depois as mãos com os beiços gretados!
(Pena o lixo já ter sido comido por outros…)
Enquanto assisto ao jogo da roleta russa na televisão
E me lambuzo de lagosta e caviar até arrotar e ficar cansado!
Que não nasçam mais flores em nenhum campo nem no fundo dos mar!
Exterminem-se as florestas, os campos, os jardins, as montanhas!
As flores e deus são culpados de todos os horrores porque me deram gozo!
Que a terra não consuma mais nenhum corpo para que apodreçam à luz do dia
E a peste invada as sociedades como a realização de uma antiga profecia!
Vivam os instintos bélicos do mundo!
Que as armas nucleares sejam os nossos brinquedos mais comuns
Que o amor vá para o raio que o parta
Editem as leis orgânicas das violações como coisa obrigatória
Que a pedofilia seja um divertimento e as crianças violadas meros objectos!
Vivam aqueles que não têm coração nem motivo para o ter!
Fuzilem os amantes!
Proíbam o mar de marear!
Viva para sempre a podridão do mundo!
Viva a morte!
Viva a guerra!
Viva eu!
Estou confuso…
Volto a mim grávido de todas as dores
Que assolam o mundo e são minhas!
A garganta explode um aflitivo grito
Que se evade como trovão pelo infinito:
Se o amor de tão puro não vos convence a ir ao seu encontro
Que mais posso dizer?
Se as falsas promessas e os inúteis discursos vos iludem mais que a verdade
Que mais posso dizer?
Que mais posso dizer?
Segui vossos instintos
Sem nunca deixardes de sorrir
E quando o ódio chegar -
Porque o ódio chega sempre um dia -
Fechai a porta do coração
Deixai-o passar
Sem história nem tempo
Apunhalai-o!
Mas nunca, nunca
O tomeis para vós!
Hitler
Que a terra consuma o teu nome
O inferno
Seja o prazer do vício decadente
Num condenado à morte
Porque a vida
Foi para ti o menor mal.
António Casado
23 Agosto 1979