A correria do cotidiano aliada à constante ansiedade do mundo contemporâneo, bem como os inúmeros desafios impostos pela vida tem deixado as pessoas estressadas e beligerantes.Furiosas e a ponto de explodir, até. Em muitos casos sem nenhuma razão que justifique o comportamento insano, ou por um simples dá-cá-aquela-palha alguém pode se transformar numa pessoa violenta e perigosa. Na verdade está se tornando um grande risco para todos nós dirigir pelas ruas das grandes metrópoles, tanto em razão das repentinas sutilezas entre os motoristas, que podem chegar a ser estopim para um inesperado conflito, quanto em virtude de pequenos acidentes capazes de fazer surgir, em plena via pública, animais selvagens transtornados, que é como muitas vezes ficam os proprietários de automóveis. Em seus brinquedos de estimação, aos quais dedicam o máximo de zelo, eles(as) parecem estar encastelados em fortalezas impenetráveis das quais ninguém pode se aproximar - nem ultrapassar -, sob pena de daí nascer o maior escarcéu.
Já testemunhei inúmeras circunstâncias em que por motivo de uma simples ultrapassagem, uma buzinada insistente ou um gesto mais expressivo apareceram discussões acaloradas enquanto o trânsito fluía e as pessoas, assustadas, olhavam os sujeitos envolvidos na maior gritaria um com o outro. Nesses momentos, vinha-me um arrepio súbito, eu ficava na atemorizada expectativa de que a qualquer segundo um deles sacaria a arma e, seu veículo em movimento, atiraria na cara do oponente. E quase sempre essas brigas são originadas por motivos banais, fúteis, como acima já mencionei. Devido à loucura do trânsito congestionado, à pressa de todos e às exigências do relógio e dos compromissos, geralmente a maioria dirige velozmente e nem sempre respeita os sinais. E todo mundo quer chegar logo ao seu destino, aproveitar um espaço para ultrapassar o carro à sua frente e, corriqueiro, meter a mão na buzina para apressar o sujeito vagaroso dirigindo seu carango e falando ao celular. Estes, então, cuja indiferença à regra de não atender ou discar telefone móvel enquanto dirigem é notável, não dão a menor bola a nada, sentem-se na sala de estar de suas casas ou na tranquilidade de seu escritório em pleno furor do trânsito. Isso, como é óbvio, fornece munição suficiente para acidentes e brigas no dia a dia.
Mas a cena que vi ontem no momento em que almoçava num restaurante da orla de Ponta Negra, em Natal, além de surpreender-me e deixar-me perplexo, assustou-me sobremaneira pelo inusitado e pelas personagens figurando no emblemático problema. Geralmente quando vou apreciar as delícias do sushi, esse prato saboroso da culinária japonesa, gosto de sentar-me num reservado envidraçado de onde avisto o mar espumando lá adiante e o fluir de banhistas indo e vindo pelo calçadão ao longo da praia. Dali também distraio-me com o ruge-ruge dos carros e ônibus turísticos para lá e para cá na avenida, seguro em minha serenidade gastronômica. Antes do estranho e inesperado fato de que estou tratando, algo deveras incomum igualmente chamou-me a atenção. Os comensais usam a parte da frente do restaurante, entre outros locais, para estacionar seus veículos, sendo disputadas as vagas como se fossem ouro. De meu lugar estratégico é possível ver essa movimentação geral claramente, e essa é uma das razões de preferi-lo. Em determinado momento, um casal saiu e se dirigiu ao seu carro sendo imediatamente seguido pelo indefectível e "solícito" flanelinha(claro, eles estão em todas). Verificaram, atônitos, que outro veículo havia sido estacionado bem atrás do dele, obstruindo a saída, numa clara demonstração de insolência e desobediência aos regulamentos de trânsito. Alguém fizera essa barbaridade e estava calmamente almoçando o seu sushizinho. Ainda tentaram, tanto o flanelinha quanto o motorista, encontrar o tal infrator, mas não conseguiram, e ele precisou fazer diversas manobras para, de maneira perigosa, lograr sair do estacionamento. Lá pelas tantas, satisfeita("barriga cheia") e na maior calma, a dona do carro estacionado irregularmente(era uma mulher) nele entrou e se foi como se nada de errado tivesse feito.
Nem bem isso aconteceu, quando eu pensava estar tudo bem em derredor, vi em meio ao amontoado de transportes que se deslocavam, sem conseguir acreditar no que estava vendo, uma senhora circunspecta ao volante levantar acintosamente a mão esquerda janela afora do seu carro, dobrar os demais dedos e realçar o maior de todos naquele expressivo gesto obsceno que quer dizer "vá se ..oder. Ao lado dela se encontrava uma garota entrando na adolescência, provavelmente a filha, que a tudo assistiu. A propósito, essa mesma senhora vinha comer sushi e estacionou justamente na vaga deixada pelo sujeito cujo carro tinha sido impedido de deixar o local porque aquela outra mulher deixou seu transporte atrás do dele. Por muito pouco eu não tive uma indigestão.
Gilbamar de Oliveira Bezerra