65h

é no teu corpo que todos os lugares fazem sentido, como se a nudez da tua pele me trouxesse de repente aos olhos tudo o que me comove - o entardecer na foz, as bogas a saltar no tâmega, as tulipas a sobreviver à chuva, o espanto das árvores diante o nevoeiro, o orvalho nos braços, o som de uma pinha a cair, o vento a tombar o milho, etc, etc, etc - e me devolvesse à vida. na existência de todas estas coisas no teu corpo deixo que da memória se soltem outras lembranças, dessas que acanham os ossos e arrepiam o coração. porque é em ti que se faz todo o meu tempo, como se fosses preenchido de relógios, todos parados, à espera que alguns sorrisos antecedam os próximos.não sei de outro passado a não ser o que nos pertence, o que lembra o calor das mãos, o dar de beijos, o pestanejar de dedos; não sei de outro presente, esqueci todo o futuro. quero construir contigo uma história, dessas que se contam ao ouvido como um segredo, sem medo, que o medo estraga todas as histórias. falar de nós é comover-me, por isso permito que duas ou três lágrimas me atravessem o sorriso.