Fito estes pinheiros bravos
Erectos como cardos
Que se lançam da terra
Firmes e seguros como penedos
Esbeltos como pavões
À beira de um lago cristalino
Num estridente grito
Emudecido!
Não sei porquê...
Lembro-me de mim…
Há neles algo de imponente
De esplendoroso
De omnipotente
Alguma coisa que se escapa
Como gelo liquefeito
Por entre os dedos.
Talvez seja coragem...
Talvez medo!
Detenho-me nos rostos
Que se assemelham ao meu...
Até dos conflitos tenho saudades!
Que foi que perdi
Ao longo dos passos cruzados
No estender de uma vida
Que passou pelos sonhos
Sem uma promessa
Ou despedida?
Onde está a minha verdade?
Alimento de ciúme a paixão
Que não tive
Agradeço ao espelho o sorriso
Que não esbocei
Brigo comigo
Para manter acesa a chama
Do amor
Ouvi-lo implorar perdão
Acreditar que me deseja
Para além da ilusão!
Ninguém me pertence…
Nem os corpos
Que entre as mãos retive
Nos fugazes momentos de perdição
Foram meus!
Na cartilha do desejo
Aprendi com todos eles
A repetir um adeus.
Que sonâmbulo pesadelo
Ao sonho sobrevive?!
Que luto estampou
Na minha alma
E levou
A esperança que tive?
Que espelho se quebrou no rosto?
Que algema atou os pulsos?
- O garrote da vergonha
De ser quem era
Fez os sentimentos reclusos!
Hoje
Construo labirintos
De teias de aranha
Sentimentos e vontades
Perdidos no tempo
Amo no silêncio das ruas
Choro nas noites escuras
Com o abandono que me afaga
Com mãos de relento.
Enteado das amarguras
Semeadas a medo
Num chão de recusas feito
Improviso angústias próprias
Filhas da covardia
Madrastas do degredo!
Quem tem por palavra a chave
Com que decifre o enigma
Do meu espelho?
Coragem…
Bastava ter olhado o mundo de frente
Sem medo
Sem vergonha
Sem cadeias
Bastava ter gritado
- Sou eu! Sou assim!
Para que todo um futuro
Respondesse:
- Estás aqui!
Agora
Apenas um destino sem voz
Retalha a ambição de uma vontade
Que foi minha sem eu querer
Que me pertence sem lhe pertencer
Que me escapa por entre os dedos
Como gelo liquefeito…
Ainda oiço o seu murmurar
Irónico:
- Bem-vindo
Ao país dos segredos!
António Casado
22 Julho 2008
Livro AMOR IMPERFEITO
IGAC 4558/2011