O dia amanhece porque todos os dias amanhecem. Traz com ele uma alcofa de interrogações e medos. Desdobro os papéis enrolados das rifas da sorte e aguardo que alguma coisa mude. Cada uma delas acrescenta mais um alfinete ao rol dos lamentos. São os prémios obtidos dum jogo que não escolhi nem quis. Alguns até me fazem rir… rir é bom. É como nos despirmos do que provoca a sede de irmos e vamos livres e soltos de tudo o que nos rodeia. Eu sou livre! Que o digam as eternas horas de solidão às voltas com os lençóis na desesperada tentativa de sentir o teu calor quando ainda neles te rebolavas comigo numa insónia muito perto da loucura; ou a frescura húmida do suor fruto do amor que fazíamos; a roupa amarrotada quando te revolvias num sono agitado e eu beijava a tua testa e segredava-te contos tranquilos e belos. Que o digam elas… Pouco mais tenho a dizer.
É bem possível que nem te apercebas da amargura que se enrola à minha voz e aperta a garganta para que não chore. Sabes porquê? Porque quando estás todo eu sou um sorriso latente na palavra no gesto no olhar. Entrego ao desígnio das almas desesperadas as angústias que desabam sobre mim a chuva de choros que afasto como se fossem insectos. Mas tu não vês… Porque tu não vês! Nem quando fico para segundo plano porque sou sempre o depois na tua vida e ainda assim aceito com um sorriso complacente o lugar que me reservas. Abraças-me e repetes como um papagaio que a vida é mesmo assim e as prioridades devem ser levadas em conta. Claro que sim meu bem… as prioridades. As tuas prioridades! Imagina meu querido que quando precisas de mim és a minha única prioridade! Quando não necessitas continuas gravado a fogo na minha mente como um único pensamento. Curioso… Reparo agora que ambos temos prioridades diferentes…!?
Sabes que nada te exijo. Exigir o quê? Se o meu amor não fosse o bastante que terrível noite assombraria a nossa relação! Também de mim nada exiges… porque te dou tudo! Porque na minha mente caótica e perversa (vê lá!) penso que sou teu que te pertenço como as árvores são parte integrante da floresta. Talvez apenas e só na minha mente… Falar de ti excita-me como se estivesses agora a meu lado…
Ainda digo aos nossos amigos com um sorriso que sou feliz. Até estou. Feliz por te ter… infeliz por saber que não és meu! Para já basta a verdade… a minha verdade. Ela é o bastante para me proporcionar todas as fantasias possíveis e reviver todos os delírios da nossa vida em comum… aquela que não temos. Ainda creio nela quando estás junto a mim e chamo-lhe todos os nomes bonitos que existem no dicionário.
Se me perguntam por ti digo que virás… porque vens sempre. Nunca estás nunca ficas nunca vais… Eles sabem que te amo. Já me confidenciaram que não devo guardar grandes expectativas pois todos os indicadores apontam para um fim. Respondo-lhes que estão errados! É nesse erro que quero viver. Soubesses tu como têm razão! Nunca sei quando vens vestido na pressa habitual de partir despido do ócio de ficar. Irás sim, meu amor… Um dia dir-me-ás: - “Gostei muito mas não posso voltar. Não sofras… Espera por mim… talvez um dia…” Claro que não sofrerei! Já o faço… Já o fiz durante todo o tempo que estive apaixonado por ti consumido na imoralidade de acreditar que desta vez estava certo. Acertei sim… no alvo errado!
Estranhas a facilidade com que digo que te amo? Eu só estranho a tua dificuldade em me repetires. Sei que me desejas… nunca duvidei. Já pensaste que por uma estranha leviandade eu até posso querer um pouco mais que o que me dás? Modestamente amor quero tudo! Sei… Conheço as regras do jogo. Não posso queixar-me. No início éramos a perpétua aventura imergida dos sentidos como outra qualquer. Inconsequente e ousada. De livre vontade ocupaste o espaço que te dei e quiseste mais até nada restar em mim que não fosse tua pertença. Acreditei em ti e fui cedendo a minha vida até me perder no nada que restou. Quando olhei para trás só a tua sombra era visível. Tomaste a minha vida e alma nas tuas mãos. De ti recebi e fiquei feliz com o que me quiseste dar. Pensei que partilhávamos as mesmas células os mesmos anseios o mesmo sexo… Quanta ingenuidade! Tudo serviu de desculpa para te isolares no teu quintal sombrio onde nunca permitiste que fosse e mentires. Dizias-me que estavas confuso… Que tinha sido o primeiro homem da tua vida… Como podia eu saber? Abriste os braços para que eu me deixasse abraçar; sorriste para que me deixasse beijar; tocaste-me para que me desse… Sabias quem eu era. Nunca marquei um encontro… deixei que viesses. Vinhas… ficavas… amavas… Ainda me lembro de teres dito que fui a única pessoa com a qual tinhas sido mais sincero e que mantínhamos uma relação de tal forma aberta que não precisavas fingir ou mentir como sempre o fizeste com outras pessoas. Acreditei porque quando se ama em tudo se acredita.
Hoje sou eu quem te telefona quando vejo o sol raiar. Digo: - “Bom dia amor!”. És tu que anseias pelo meu telefonema. Dizes que precisas de ouvir a minha voz. Também sei que te esforças por encontrar tempo para mim. Ai amor que culpa tenho eu se te quero cada vez mais?! Não me acuses de te pedir mais e mais migalhas! Só quero uma vida normal como todas as pessoas normais que vivem a mesma loucura em comunhão e regozijam-se da felicidade de serem livres e estarem disponíveis para amar. Estou livre para amar. Estou disponível para te amar! Quando a minha imagem se reflecte no espelho transparece uma auréola de paixão fruto de me aceitar como sou. Orgulho-me de te amar e ter a graça enorme de estar apaixonado. Sei que esse caminho me conduzirá à felicidade e é nele que travo as minhas batalhas diárias. Sim sei sou gay. Sou-o porque busco o amor em todos os horizontes consciente de que o irei encontrar. Quando terás coragem para fitares os teus olhos no espelho? Amor… és igual a mim. Não temo gritar pelas ruas que te amo porque te amo. Nem me escondo dos teus públicos beijos porque os desejo. Não recuso os teus abraços porque suspiro por eles. Orgulho-me de te ter a ti.
Amor… Estou exausto. Afinal tanta coisa por uma palavra… uma só que me fizesse sorrir… apenas uma palavra que alegrasse a minha existência. Compreende que não sou a acha que se atira ao lume… sou o fogo que a queima! Uma palavra… Talvez o nosso futuro dependa disso. Uma palavra… ainda que não faça sentido! Se tu a dissesses e eu a ouvisse…
António Casado
15 Maio 2009
Incluído no livro "CLAMOR DO VENTO" a sair em Janeiro 2010