Enquanto se refastelava no sofá medíocre, olhava lá para fora, pela janela fora, pela cidade dentro. Desejava estar longe dali, sonhando com a segurança que os braços agora ocasionais lhe proporcionavam. Desejava estar longe dali, longe de tudo, com o seu amor. Amor de cara difusa, esborratada pela tinta que tantas vezes lá passou. Na verdade, não sabia o que queria. A vida deu-lhe atalhos que o seu peito agonizou, a mente pregou-lhe partidas das quais o seu fraco sentido de humor nunca poderia recuperar.
Agora, repousa em boa parte da semana no vício domingueiro. Parecem soar os sons dos sinos, em marcha casamenteira, fazendo troça da sua situação. Os momentos em que pensou sentir-se mulher são ilusória recordação de um futuro por desvendar, castelo inalcançável por força dos ventos de Castela, cruéis e sempre presentes nas noites mais frias.
Não lidou com a indiferença do mundo através da replicação. Decidiu apenas odiar, gratuitamente, quem da janela se ria, troçava, pedia esmola ou olhava em pranto curioso para o que do outro lado havia. Não havia nada. Não havia alguém diluído nas circunstâncias, não havia diferenciação pela existência. Apenas reles e cobarde desistência. Um espelho partido em tantos pedaços quantos aqueles que seriam felizes, separados, multiplicados por caminhos diferentes que não desmembrassem o pensamento.
Definiu um caminho demasiado cedo, prendendo-se a ele. E no entanto, queria vive-lo para sempre. E sê-lo, com todas as forças que tinha. E que perdeu, tentando existir, na busca da realização da sua profecia.