chego à noite
e tropeço nos corpos da rua
peço licença para entrar em casa
tento esquecer o que me lembro
e lembrar do que não sei
abro a porta e existe o momento
que expulsa a memória
dos braços no ar que não consegui
salvar no mar lavrado pelas palavras
deixados lá fora no inferno real
eu entro com a improvável certeza
do abandono dos fantasmas de dia
branca toalha que me limpa o corpo
para não me confundir com o de outro
reconheço pouco a pouco os meus dedos
os meus braços que se abrem como asas
na cor incerta do crepúsculo fosco da luz
como cinza que cai na falsa linguagem
pintada nas paredes das ruas de fora
A cal ferve agora dentro de casa
mesmo que não me reconheça
reprimo a imagem do meu reflexo
onde há-de guardar o não sei quê
de um corpo no exterior em falta
pouco importa o significado desta alma
letal lá fora com o som da palavra
mas viva em silêncio dentro de casa