Correndo pela rua,
Meninas e meninos descalços,
Disputam espremidos,
No caos da vida urbana,
Os parcos espaços
Em uma infância, tolhidos...
Podem vir do subúrbio,
Ou dos rincões do pais,
Inserindo-se precoces no duro cotidiano.
Nascendo de ventres de fome,
Na antecipação da dor, do pressagio
Do abandono, de uma vida ceifada, reduzida a cada ano.
Precoces vendedores,
Comprem senhores, balas, chicles, cocadas.
Se esmeram na arte de convencer,
De contar seus dissabores,
Na vida somente pedem trocados, mas querem ser crianças amadas,
Seus olhares desconcertam, para não arrefecer,
Buscam na venda, pão e leite para o porvir, não pedem favores.
Estranha pátria transforma em pária,
Os germéns da esperança,
Desempregam os pais, desintegram os laços familiares,
Retirantes, sobreviventes, na faixa que se amplia, na miséria,
Maria, Aparecida, José, Raimundo, e o que eles fariam sem a criança?
Sem lares, que nos incomoda a cada dia nos semáforos, nos bares...
Inventam programas, nomes pomposos, surgem bonitos rostos,
Vozes clamam, gestos acenam, de repente nos sentimos benfeitores,
Nos travestimos de salvadores, mas só por um instante,
Depois voltamos a nossa rotina por um tempo contritos, mas sempre aflitos,
Hipocrisia de um modo de viver injusto, réus confessos,
Na indiferença, no individualismo, na exclusão diária na qual somos atores,
E insistimos nesse sórdido papel, escravos de uma sociedade de consumo...
AjAraújo, o poeta humanista, escrito no Verão de 2002.