em uma hora vaga
pensamos mil destinos
refletimos nossos desatinos
numa hora livre
nos vêm ao encontro os encantamentos
uma saudade doce
o amargo duma desilusão
em uma hora vaga
navego minha nau
a pena meu mastro
o coração minhas velas
eu vulnerável sem lastro
venerando o infindo oceano
planando sem rumo nem engano
o relógio acusa os minutos e seus funerais
sinto os segundos escorrendo na ampulheta de minha emoção
minha paixão enfurece e lúdico aspiro aos nupciais
na minha terra sem terra de barro
pátria de aço vidro e concreto
amadureço em Deus, encaro reto
sonho as cores em mananciais
lúcido em bodas invernais
me entrego à rima como à doutrina
sempre atento e respeitoso
quero me provar dom de gozo
e o casco flutua rasga o véu do saber
fina lã que permeia o eterno recorrer
embaralho minhas vontades e busco a força do instinto
sei que sou o que sou, seja lá o que isso seja
e sem ânsias de entender, me entendo além de explicação
certa feita perpetrara o horrendo ato da descrença
e mergulhara em ilusão funesta
fiz-me suposto onipotente em prol do surpreendente
e feri-me ao olho, à razão
desdisse-me e encalhei ao ribeirão
jovem homem em confusão
quis ser o rei dos reis, um segundo Salomão
mas a maré me arrastou a mim
a tempestade parecia sem fim
o mar se fez deserto
esqueci-me do sim
um sufoco, um aperto
em superstição um despeito
me fingindo do extramundo
mascarado cínico e imundo
fiz o que pude pra me provar de sangue azul
e desprezei o pai ao sul
em uma hora vaga
minha liberdade nasceu e morreu
em seu primeiro terço já me calava
foi a criatividade quem socorreu
numa hora vazia
me compromisso ao descompromisso
estou em pé, porém de joelhos, submisso
de todo rancor me faço omisso
que deixar secar a alegria é rude desperdiço
estatelo semblante à densa brisa
escancaro o sorriso em decisão concisa
ensaio gestos de grato à vida
valso brinco faço circo da ferida
e o povaréu tão quente de meu Brazyw
me acode intermitente ao gargalo do funil
me lembro do verde do cristal do Goiás
me arrepia só de lembrar, aliás!
as indiazinhas do meu sertão
as pingadinhas no baião
corro corro estafo e me zango
pra me curar um bom rango
da Tia Odete ou da Dona Sônia
um cafézinho sem parcimônia
o pão francês do humilde burguês
reparte-se sempre
na míngua ou na fartura
alimenta e faz freguês
endireita e enobrece
mas é pra agora, que endurece!
da vaga hora foi-se meia
daonde estou vejo o horizonte
detrás da parede defronte
da meia hora transcorrida
me comove e assusta a subida
súbita evolução sem saída
certa feita fiz-me pai de mim
uma boa vírgula
um pai de si em si
no tom dourado do amor
e descobri sem pudor a fonte da vida
refiz a fé na corrida
parei pra sentir o sabor
e deixei-me cair em alvo calor
suingando criador
dando nome ao valor
fiz-me poeta e trovador
na nobre benção do louvor
quando dei conta da confusão
quis justificar a intrusão
desculpar-me ao leitor pela alienação
vi chorar o menino na rua
enquanto passeava pelo mundo da lua
mas tive sorte, tenho muita sorte
de ter no cerrado redescoberto a facilidade do cingir
de ter fiel ao fato enternecido meu agir
sorte forte e promissora
que arrebata como boa professora
um nascido em berço de platina
fazendo da caridade brilhante sina
tão belo o imprevisível do partilhar
mil mais cores a respirar
pranto em engasgo a se libertar
tão bela a grande família sem nome
a coragem honesta da boa fome
satisfação vera e intensa do homem
a hora vaga antes vazia
agora dos três terços só tem mais um
última esperança a regressar
sinal da taça que há-de transbordar
e de verso em verso
vai resumir-se a um quarto
a hora quase cheia
e então a um quinto
um sexto
o sétimo divino
e por isso a ponte
a elo do destino
ao começo não sabia o que queria lhe dizer
em rasante eloqüente não se pode adoecer
selo a boca a alma o ventre
cerro o punho o cenho prenhe
deixo cantar meu silêncio
degustando as uvas da Sicília
banhando no leite da vigília
afrouxo minhas rédeas
cavalgo ao largo certezas pétrias
inspiro lento as primícias
dum encerramento em grossas rimas
a cor
do sabor
da dor
do estertor
do amor
o sumo do lume
o sangue no gume
o som do são
o sim na razão
céu profundo
esquina do mundo
fazendo fundo
n'orar vagabundo
quanto valem cinco minutos
na admiração dos enxutos
na inocência dos estultos
quanto valem mil destinos
na integração dos grãs-finos
na gratidão dos nordestinos
quanto vale a virtude
altaneira atitude
nos elevando a altitude
quanto vale o momento
redentor do tormento
oásis de todo alento
a hora vaga vagueia pra longe
nasce outra e pede mama
a curiosidade sagaz responde
o sempre é da lama à lama